quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Carta da Amante (Publicado em 30/10/2007)


"Ricardo, querido.
Faz pouco você estava aqui em casa e eu já encontro coisas para dizer-lhe.Pois é.
Hoje eu percebi que precisava ser rápida, que é necessário falar um pouco sobre a sua proposta.
Nos últimos tempos você tem sido quase tudo na minha vida. Mas esse ‘quase’ faz muita diferença.Quando dois amantes se encontram depois dos quarenta, as coisas são diferentes. Algumas são definitivas, outras, nem tanto.
Sei que, no início, cobrei muito que você assumisse a sua ‘quase separação’ da Luiza. Nossas vidas são regidas por quase, mais ou menos, assim assim...
O tempo me fez aceitar e, sem trocadilhos, ‘quase’ agradecer que vocês permanecessem casados, apesar de mim.
De repente, depois de três anos de ‘quase termos assumido nosso caso’, você me participa que ela pediu a separação e que você vem morar comigo...Emudeci. E você, claro, achou que era alegria.Não, Ricardo, não era nada além da surpresa.
Nesses anos, fui me acostumando a não ter você nos finais de semana e ‘ter que’ preencher meu tempo; como você me estimulava a fazer para não perturbá-lo choramingando saudades, num celular que raramente atendia.
Tornou-se um hábito poder sair, encontrar amigos e jogar conversa fora, certa de que você não teria um ataque de ciúmes.Aprendi a gostar da cama vazia e da exclusividade do controle remoto depois que você saia, apressado, inventando desculpas para uma Luiza desconfiada e perigosa.
Cheguei a invejar a perfeição com que ela tratava suas roupas, mesmo sabendo (ela sempre soube, Ricardo!) que você as usava com ‘a outra’. Para ser franca, eu jamais passaria uma camisa sua, mesmo que você fosse o homem mais fiel do pedaço; coisa que nunca foi com sua esposa, porque seria comigo?
Eu reclamei de alguns hábitos seus e você me disse que ela convivia com isso numa boa.
Daí passei a imaginar se ela não seria a esposa ideal para você? A esposa ideal para um amante bem tratado...Cruel? Cínico? O mundo é assim.
Eu não suportaria o tsunami que o acompanha a cada banho, toalhas jogadas num canto e cuecas que você imagina possuírem um dispositivo de auto lavagem, se amontoando no cesto.
Aa sonecas que você tira no sofá, sem camisa...querido, só no sofá dela. Costas suadas ficam bem à borda da piscina e olhe lá.
Falando em piscina, eu não sou exatamente o tipo que prepara tira-gostos e vai apanhar a cerveja, o jornal, o telefone, o Engov...Não tive marido que me deixasse esses cacoetes, eu era a amante, lembra?
Não sei porque lembrei da nossa última discussão quando você me disse que sua ‘esposa’ seria incapaz de traí-lo, numa referência clara ao fato de ter iniciado nosso relacionamento quando ainda era comprometida.
Sabe, você deixou claro que ela era o tipo ‘esposa’ e eu...Bem, eu era a sua...Ah, deixa pra lá, pelo menos eu não tenho que suportar seu mau humor de domingo.
A ‘questã’, como diz a sua senhora, é que eu levei isso à sério.
Talvez explique minha mudez nervosa quando você, senhor de si e pretensamente de mim, informou-me que passaria a ser a sua cara-metade assim que ela o colocasse fora de casa – dessa vez definitivamente.
Eu o amo demais, só não mais do que a mim mesma e isso é mais um ‘quase’ nessa nossa quase história de amor.
Prefiro ficar só, livre para passear; dormir os finais de semana inteiros é preferível a ter a companhia do Júnior, querendo montar aeromodelos na minha mesa de jantar, circulando com dedos sujos de chocolate.
Não quero ser sua mulher, você não faz meu tipo de marido, lamento. E eu, Ricardo, não sou o seu modelo de esposa, pode acreditar. Jamais concordaria que você desaparecesse de segunda a sexta, numa academia que ninguém sabe, ninguém viu.
Logo no começo, eu teria topado e estaria uma craque no suflê de queijo.
Quero muito continuar nossa relação, mas do jeito que está, um ‘quase’ casamento.
Lamento que ela tenha tomado a decisão que você adiou tanto.
Mas você é um homem forte e vai conseguir arrumar um cantinho pra chamar de seu.
Ou quase. O meu...é só meu, anjo.
Finalmente, meu amor, não se culpe tanto por tudo isso.
A ‘depressão’ que levou a Luiza a optar pela separação, chama-se João, é colega de faculdade e quase da idade dela. Quase.
Aliás, ele estava naquela excursão, quando ela foi para BH e a gente ‘quase’ decidiu assumir e morar junto, lembra? Mas acho que você, iluminado como sempre, preferiu esperar mais um tempo.
Bom, isso não importa. Na segunda, te espero como sempre, depois do trabalho.
Um beijo no seu coração,
Nádia.”

Imagem:René Magritte-OS AMANTES,
Desde que Magritte pintou os amantes, estes como por magia deixaram de ter rosto. Nos jardins, nos cinemas, no bulício das ruas é frequente ver agora homens e mulheres sem rosto, abraçados.Todavia, tudo não passa dum equívoco. Sem dinheiro para pagar aos modelos Magritte optou por cobrir com um lençol o rosto inacabado dos amantes.


COMENTÁRIOS ORIGINAIS:
Edyr Augusto disse...
Muito bom. Na medida.
Abs

Carmen (sem filtro) disse...
A-do-rei!

Embaixo d'água (Publicado em 30/9/2007)


Tomar um banho de chuva, um banho de chuva...


São doze e trinta de quarta-feira. Estou presa num engarrafamento gigante desde que um temporal enorme começou. Quase duas horas sem conseguir sair do Reduto.
Tento manter a calma – afinal, já perdi a reunião, e, com certeza o resto do dia está comprometido.
Uma caneta meio grudenta, derretida pelo sol e começo a rascunhar no verso da “Dieta da Proteína”; nunca vou conseguir fazer mesmo.
Tento imaginar o que está ocorrendo com Belém , essa cidade tão linda, que sofre tanto nas nossas mãos.
Passam boiando sacolas com lixo, numa propaganda negativa dos supermercados do bairro. Uma romaria “pluvial” de cocos, garrafas pet, laranjas, um assento sanitário quebrado, o tronco do que já foi uma boneca, caixas de papelão...
Somos todos, motoristas, lixo e ratos, ribeirinhos, ao sabor das águas que reclamam por onde escoar.
Subo no estribo do carro, tentando avaliar a situação. Atrás, um motorista de uma pick-up, dessas que fazem a gente se sentir um pontinho e eles se acharem donos da rua, grita: "Senta aí, tia, e acelera!”
Pena é que não disponho dos efeitos especiais bíblicos.
Não existe um único guarda, para colocar ordem nesse caos. Carros pequenos pifam, literalmente afogados. Mulheres parecem desesperadas e homens, muito aborrecidos.
A única coisa que sei é que não dá para fazer nada, a não ser pensar em como seria bem vinda, uma grande campanha para mostrar a nossa população, o que acontece com o lixo que despeja pelas ruas.
Engraçado é que, como todos temos um pé numa aldeia qualquer, adoramos banho; não é raro encontrar pessoas com os cabelos respingando, cheirando a limpeza. Mas com o lixo que deveria ser privado, não temos pudor ou educação e o tornamos público.
Mansões sem calçadas decentes, jogam nos “pés” das mangueiras, todo tipo de quinquilharia, casas são varridas e voam pela porta migalhas e restos dos nosso dias de porcalhões. Quem nunca viu uma boa residência , com o esgoto de pias, lavatórios e chuveiros, sendo despejado diretamente na vala, onde passam a navegar restos de arroz, feijão, macarrão e espuma de sabão e shampoo? Um espetáculo de falta de urbanidade. Desde que escoe para longe de casa...dane-se seu itinerário.
Fomos acostumados a reclamar da prefeitura “que não recolhia o lixo”. E agora, que ela recolhe? “Maiê, acabei!”
Nem se contasse com um exército de garis, jamais daríamos conta de tantos sugismundos, que aparecem em todas as classes sociais.
Sabe aquele tipo que leva a sacola (sempre ela, a infeliz) com todo tipo de restos, até o terreno baldio mais próximo e ainda acha que está fazendo a sua parte?
O caminhão vai passar ( diga-se , na minha rua, por volta das vinte e três horas...não falha!) mas para se livrar do incômodo, ele atravessa e joga o saco no canteiro, onde as ratazanas acham “de um tudo”. Na Pedro Álvares Cabral é assim. Em outras ruas, também.
Os berros de um voluntário me fazem voltar a realidade. Toma para si a responsabilidade de orientar os carros para retornarem de ré, até a Benjamim e dali, buscar a Rui Barbosa.
Uma das características “patognomônicas” do paraense é não se importar (muito) com uma chuvinha. Alunas de um colégio que tem nome de escola de teatro, passam, provavelmente ainda irão tomar dois ônibus até chegar em casa, com gripe e frieiras. Rapazes de outra escola as agridem, com palavrões e sem nenhuma razão aparente, a não ser a alegria, apesar da chuva.
Por que a falta de educação? Estou desanimada. Não com a chuva, eu aprendi a viver com o nosso clima, sou quase um anfíbio. Meu desencanto é não conseguir imaginar uma cidade melhor, enquanto nós todos não tomarmos umas aulinhas de civilidade.
Pena. Belém não merece.

T.P.N

(Chuva, de Oswaldo Goeldi)


Ao contrário do que parece, não sou esfuziante; não o tempo todo.
Tenho momentos de introspecção, ouço o que me diz o silêncio, coisa freqüente no final do ano.
É, meu amigo João Carlos, você não está sozinho nessa vontade de chorar sem motivo, nesse pensar nas diferenças, afinal, o Natal é lindo, mas nem assim deixa de ser a festa mundial das desigualdades.
E pessoas mais sensíveis pensam nisso, entre uma compra e outra.
Ontem voltava para meu bairro, o Marco. Num farol, um senhor, com roupas puídas esandálias quase ralas, atravessava a rua, sob a chuva, uma sacola com não mais de três pães.

Com uma das mãos acenava , garantindo que estaria em segurança, pedindo a passagem (que tinha direito), na faixa de pedestres.
Só a cena me fez soluçar. Era o contraste da humildade com a intolerância do trânsito, onde covardes se portam como valentões.
Chorei pela chuva, pelos pães, por nós.
Fui tomada pela solidão dos que não foram chamados para a festa do amigo oculto.
Nada é pior que a sensação de estar sobrando.
Dos que não estavam nos shoppings garimpando um presente por nem terem uma lista.
Deve ser um horror, pior do que se desculpar o tempo todo, por ter tantos a comprar que serão “apenas lembrancinhas”. Nada que se receba no Natal será “apenas” uma lembrancinha, e sim um enorme aviso, para não esquecer jamais, que alguém lembrou de você.
Tensão Pré Natalalina, esse fenômeno que nos faz derramar lágrimas e até pensar em quem adormece com fome ou dor, abateu uma amiga, exemplo de fortaleza, que pediu licença e, bravamente, chorou até borrar o rímel.
Sentia-se cansada de tentar conciliar o inconciliável, de manter-se de pé, quando a vontade é desabar.
No meio dessa roda viva de comes e bebes, mais bebes do que comes, de carros novos, DVDs, promoções, viagens para paraísos que provavelmente nem saberei localizar, encontrei uma das razões desse “tilt” que Noel traz a reboque.
Estamos todos no mesmo vagão desse trem, mas nem sempre conversamos, trocamos idéias ou sinceridades. Nem sempre pedimos licença para chorar de apreensão antes que sejam lágrimas de mágoa ou raiva.E pior, sempre existe alguém para levantar uma possibilidade do que não existe, iniciar o tricô dos mal-entendidos.
Ufa! No final do ano, a bagagem de mão está pesada e precisamos aliviar a carga. Deixar tudo num canto para iniciar o próximo de mãos quase vazias e forças para arrastar um container.
Essa é a vida moderna, tu-do que pedimos a Deus.

Só não lembramos do ônus: reuniões de condomínio, descontos nos contra-cheques, vestibular da filha amada, malha-fina, cheques que nem Ele sabe quando conseguiremos descontar, shopping lotado de pessoas indecisas, churrascos calorentos, carros estranhos na nossa vaga, o açaí que azedou...Tudo parece acontecer em dezembro!

Não existe herói que sobreviva com cara de super ou algum caráter.
Ontem eu chorei, sim. Até perder o fôlego e a paciência, que o filme na HBO estava mais interessante, e sabe?, não sou muito boa com essas depressões.
Peguei o telefone e desabafei com quem deveria, deixei fluir minhas incertezas e finalmente vi que tudo se esclarecia. Acabei com os ruídos da minha comunicação.
Não sou boazinha, pelo contrário, sou uma peste. Tenho meus momentos “Clodovil” e quando elimino alguém, é de caso pensado, favas contadas e conferidas.
Jamais voltei atrás pela certeza de saber que gangrena é caso para amputação e ponto.
Mas estou mais sensível; é o clima nublado, o calor intolerável, o céu em lágrimas e os meus hormônios enlouquecidos.
Resguardo-me feito uma ostra tagarela, isolada, mas teclando compulsivamente.Lá fora, a chuva, o calor, e a agitação, me lembram que o Natal vai chegar. E passar, amém.

A Revolução de D. Rosa. Ou Avó não é emprego (Publicada em 27/9/2007)


A Revolução de D. Rosa. (CRÔNICA)

Às seis estava de pé. Livrou-se da camisola de cambraia, vestiu o maiô, o roupão atoalhado, sandálias de borracha, sacola plástica e dois reais para o pão, “quentinho como Oscar gosta”.

O marido ressonava. Roncava, isso sim.

Na hidroginástica, colocou-se a matutar coisas que sentia há tempos, e não ousava externar. Nem pensar a sério.
Por que, bolas, o filho acreditava que seria um “prazer” recebê-lo em casa, cada vez que ele e a mulher resolviam “dar um tempo” ?

Um homem de quarenta anos ! Que fosse para um hotel!

Desarrumava a sala de costura e remontava a cama que estava na garagem, “prá levar para Salinas*”, há seis anos.

Esse era o seu território, onde bordava, assistia TV no velho aparelho preto e branco. Afinal, por que não tinha um em cores ?

O alongamento acabou.

Não foi lavar-se com anti-séptico (ela tinha horrooorrr de pano branco!)

Enxugou-se , ajeitou os cabelos, o roupão e rumou para a padaria.
Seu olhar pousou na pilha de sonhos, lindos, recheio amarelo brilhante e uma névoa de açúcar.
“Quanto é ?”
“Um real.”respondeu a moça que a atendia há...anos.
“E café com leite?”
“Um real.” repetiu.
“Quero os dois.”
“E os pães?”indagou a atendendente.
“Ficam para outro dia. Ah, é para comer aqui mesmo.” Acomodou-se no banquinho. Sentia-se eufórica ao dar a última mordida no sonho. Que os triglicerídios fossem pastar! Entrou em casa.
“E os pães?” , perguntou Oscar com cara de sono.
“Não trouxe”, respondeu.
“Como não trouxe ?”
“Esquenta um que sobrou de ontem!”.O chuveiro abafava sua voz.
“E você , não vem tomar café ?”.
“Já tomei”. Foi só o que ele ouviu. Pensou em ir lá, mas algo dizia para calar-se e procurar onde diabos ficava a torradeira.
A semana correu normalmente. Se fosse normal, ela não passar na padaria. Agora ele trazia os pães na volta do banco, onde trabalhou 45 anos e ia toda tarde saber “das últimas”. Falar mal do governo, da aposentadoria, ver a bunda das novas funcionárias, pensou Rosa. Lembrou-se de seu emprego.Desde a aposentadoria, não pisou na repartição. Seria mais fácil acostumar-se, sem ver o lugar onde vivera.
Fez-se domingo, mas não como os outros. Lá pelas treze, os filhos chegaram para o indefectível almoço, com esposas mal-humoradas e crianças.
Era sempre a mesma coisa.
Lingüiça, salame, queijo. Filé com batata frita pro Neto.. Não bastasse avô e pai serem “Oscar”, o pobre coitado é Neto. Lasanha para Jamile e o namorado, com aquele prego enfiado na sobrancelha .
S. Oscar estava nervoso. “Sua mãe está estranha .”
“Como?”
“Sei lá... parece outra .” A chegada da filha, discutindo com o marido e o bebê no colo encerrou o assunto.
D. Rosa, frente à nova TV, humildes quatorze polegadas, com o controle na mão.
“Mãe, onde estão as cervejas ? E a linguicinha ?”.
“Mãe, troca o Andrey, pra mim ?”.
“Que cervejas ? Que lingüiça ? Troca você que eu não suporto cocô de neném.”


O silêncio paralisou até o Neto, que arrastava o poodle pelo rabo.
“Co-mo?” balbucia Jr.
“Por acaso você é surdo ? Alguém me consultou sobre almoçar aqui ?”
“D. Rosa, inicia a nora magricela, nunca fiz questão de vir aqui, era para dar prazer a vocês...”
“Naraceli, minha filha , cala a boca. Eu sempre soube que vocês só vinham porque hoje, não tem empregada e é melhor comer e sair rapidinho, pois as crianças estão com sono. E a louça fica aí pra lavar, como se eu tivesse obrigação.”
“Mãe, está tomando remédio para emagrecer ?”
“ Raísa, quem se entope disso é você. Troca essa fralda que o menino está apodrecendo.E me devolve o conjunto de Corais, para usar no Bingo.”
“Onde?” pergunta a neta.
“No Bingo, Jamile. Ali, junto do motel que vocês vão...E não me tragam crianças, para irem ao Paráfolia. Eu e Oscar vamos no camarote Vip.”
“Vamos ?” indaga incrédulo Oscar.
“Chopp livre” completa.
“Ahhh, bom.” E ele era louco de discordar ?
“Mas e o almoço ?”
“Não fiz almoço! Vou comer no shopping”.
Amanda, mulher do Paulo, opina: “Acho melhor interditar...”
“Antes de me interditar, devolve o meu Vaporeto, que você levou no Círio de 2002. Eu vou fazer uma faxina na casa.E na família.”
Debochada, Naraceli provoca a sogra. “D. Rosa, tem alguma coisa que eu esqueci de devolver, além do Jr, o seu filho ?”.
“ Tem uma que você esqueceu de levar. A cama dele. Não o quero aqu, toda vez que você está na TPM”. Jr. riu e se ouviu o “plaft”, de um tapa nas costas.
“Ah! A casa em Salinas está à venda. Vou comprar um flat.” Rebuliço geral.
“Mãe, pirou? Aquela casa é...”
“Minha. E vou vender. Se quiserem comprar, organizar as férias, empregadas, exigências, incluindo tapioca com e sem manteiga, com e sem côco... fiquem à vontade.”
Paulo olha o pai . “Não me mete nisso. Vocês vão e eu fico.Até controle ela tem. Escolhe canal ...Deve ser a reposição hormonal.”
No restaurante, Berê, namorado de Jamile, arrisca: “Pô, me amarrei na tua vó. Poderosa.” Naraceli berra - “Cala a boca seu idiota!”
O tempo passou.
A casa foi vendida para o dono da concessionária, que deu um descontão no carro novo da D. Rosa. Bordô. Automático. S. Oscar, com vergonha, fez um up-grade no Gol 95 “inteiraço”.
Os almoços, agora, são agendados e cada um leva um prato. A louça... S. Oscar comprou uma lava-louças no Natal, além de uma jóia, que ele não é doido nem nada. A sala de costura foi reformada: ar, DVD e cama alta, para drenagem linfática.
O congelador agora é Frost-free. S. Oscar vai precisar. D. Rosa foi para o sul com um grupo da melhor idade.
“Pra onde a vó foi, mesmo?” pergunta Jamile colocando a lasanha no micro.
S. Oscar, responde, sem graça:“Pra Ocktoberfest.” Berê não resiste:“Aí... coroa sinistra.Poderosa!” .

* Salinas: praia do litoral paraense. (linda, aliás!)

Pra quê serve um homem? (Publicada em 27/9/2007)



Para que serve um homem?, indaga uma amiga recém-separada, alma ainda cheia dos hematomas, que toda separação nos deixa e olhos de quem dormiu pouco, ou muito só...
Ainda que a gente diga que “já foi tarde”, nenhuma relação pode ser assim, tão vazia, que acabe sem marcar passagem...
Prá que serve um homem...Até a Danusa Leão já escreveu sobre isso.
O (A?) Rudy* também ... e olha que nem é do 'nosso' time.
Primeiro, um homem serve para me lembrar todos os dias o quanto a-do-ro ter nascido mulher.
Serve também para me olhar como se eu fosse um ET quando, diante do armário abarrotado, constato que “não tenho nada para vestir”...Nada mesmo, ora!
Serve para notar, SEMPRE, cada vez que aparo três milímetros do cabelo. E me dizer que foi uma mudança in-crí-vel!
Serve para coçar minhas costas, até que eu durma “exausta”...(Bom, né?)
Serve para me dizer, todos os dias, que me ama e aquelas mentiras que fazem uma mulher feliz.
E tem que agüentar que eu repita isso para ele, de manhã e de noite, fazendo sempre cara de felicidade , como se acabasse de receber uma boa nova. Como se adorasse ouvir minhas mentirinhas.
Serve para me dizer “como está linda!”, em vez de “você vai com eeesssta roupa ? ” como nossos filhos fazem , justamente quando o moral está lá baixo e o ponteiro da balança... lá em cima .


Um homem pode servir, no mínimo , para matar nossas coleguinhas de inveja , eh eh eh.

Principalmente aquelas, que não conseguem nenhum...nunca.
(Êpa, onde está o lencinho? Algo escorre no canto dos meus lábios, será o gloss? Tss tss...)


Um homem serve também para nos dar aquela reconfortante sensação que vai fazer diferença sim, chegar uma horinha mais cedo.
Serve para ajudar a criar uma agradável atmosfera familiar, com todas as chatices que a faz, completa e absolutamente necessária e insubstituível.
Família é chato de doer, mas faz uma falta...


Um homem não pode servir apenas para uma visita erótica aos jardins, ainda que ele seja um rolling-stone...E jardim...Hummm...Que boa idéia, né?


Talvez, exatamente como a Danuza concluiu, estas jovens caçadoras de pais famosos para suas crias mantenedoras, jamais descubram o que é ter um homem que acha graça da estria que acabou de aparecer ... na SUA bunda.

E ainda que ela (a bunda!) esteja caidinha, ele vai continuar achando que você bate um bolão!
Afinal, conheceu você com celulite e não deu a mínima ...lembra?


Você sabe que "aquele" é "O" cara, quando ele teve chance de ver seus fiozinhos brancos brilhando entre uma e outra ida ao cabeleireiro, sem que você quisesse cortar os pulsos...
Ele sabe que é humano roncar, ter uma fome de leão e medo de barata.
...Ter cólica, dor de cabeça e desejos. Os mais esquisitos.
Que diz que vai ligar e liga mesmo.

Que lembra de você quando vê uma bolsa lindésima ou um chocolate crocrante.
Que oferece o lenço quando você se desidrata, vendo “Cidade dos Anjos”...E não ri da sua cara .

Que continua falando bobagens na hora do 'rala e rola'...E murmura 'meu tesão' no seu ouvido, pois sabe o efeito dessas coisinhas...
Que não baba (não na sua frente) vendo a Juliana Paes.
E que sabe que só tem todos aqueles neurônios a mais, para entender e amar a sua mulher .
* Rudy: transexual, cabeleireiro de famosos como a Suzanna Vieira, autor de livros de poesia.

Confraternização do Escritório (Publicada em 15/9/2007)










O Guia de Sobrevivência ao Natal em Família, aqui do nosso blog, saiu na frente inclusive da Veja e do Fantástico. “Toma-te”!
Essa é a época de confraternizações, das mais improváveis, e isso exige bom humor, afinal, sorrir só faz bem. Voltemos a festinha, então.
É certo que seria melhor você estar em férias, mas agora é tarde.
Vai fazer o quê, santa? Sair mais cedo? Vai pegar mal. Relaxe, são só duas horinhas.
Bom...Não esqueça de seguir as regrinhas.
Pontualidade: mais importante que a hora de chegar é a de sair. Nunca seja o último, muito menos o primeiro a enfiar o pé no balde. Amanhã, só lembrarão desses dois.
Roupas: vá como os demais. Estar muito sexy numa ocasião dessas, é cortejar o perigo e deixar o chefinho mais afoito.Ou arranjar uma clientela nada agradável, meu bem!
Bebida: calma! Nada pior do que um pileque entre amigos ocultos ou inimigos declarados.Ou vice e versa, tanto faz.
Se estiverem filmando, esqueça. Fique no suco de acerola, é mais saudável.
E pelo amor de Deus, não amarre a gravata na cabeça, você não é o Rambo nem o Daniel-san, viu gafanhoto? Gafanhoto? Acorda , Gafanhoto!
Network: aproveite para manter a rede de contatos. Cumprimente principalmente os que fingem que você já foi exonerado. Mostre que apesar da torcida contra, você vai sobrevivendo.
Lembre que, mesmo depois de tomar todas, seu chefe continuará sendo seu chefe, quando se livrar da manguaça. E vai ficar invocado, se souber que você colou um cartaz nas costas dele.
Romances: os grudentos, (aqueles que falam pegando nas suas mangas e parecem testar o tecido das suas roupas), nessas festas, costumam piorar. Mantenha o amigo gay ao lado, ele sempre será a sua melhor companhia!
Só as mulheres correm riscos? Ledo engano. Aquela senhora encalhada, que vive suspirando, vai estar cheia de amor para dar... pra você, é claro!
Vai querer? Então...
Fique ao lado da colega com o amigo gay, que são os mais felizes da festa. Assim, ninguém sabe quem está comendo quem e você se livra da marcação.
Se acontecer “um clima”, melhor não deixar pistas. Quando a ressaca acabar, vai ser mais fácil negar. E negue, querido, negue até a morte!
Amigo Oculto: não tenha expectativas. Um cd de pagode ou uma gravata do Mickey podem não ser sua paixão, mas releve, afinal, poucos vão acabar satisfeitos, mesmo.
Amigo oculto é a forma de garantir que as pessoas que não se gostam muito, se gostarão menos ainda, depois do natal.
Comida: a torta americana de bacalhau com batata palha, nem é tão ruim. O problema é que é obvia. E a Floresta Negra da mãe da telefonista, você já conhece de outros carnavais. Quer dizer, de outros natais. Entre no clima e mate a fome, para agüentar o vinho de promoção que é uma porrada, mesmo: na hora você fica tonto , depois morrendo de dor de cabeça.
Elogie tudo, afinal, são sempre as mesmas vítimas que ficam com o abacaxi de providenciar a festa, e só por isso, já merecem um abraço.
Discurso: evite, ninguém presta atenção, mesmo. Não converse quando outros estiverem falando, em especial o seu chefe. Mantenha uma boa postura e concorde com a cabeça – isso, assiiiim...Balance a cabeça como se dissesse “verdade...”, feito vaca no presépio.Chefes adoram isso.
Dança: só o convencional, por favor. Nada de boquinha da garrafa, passarinho quer dançar ou a dança do sapo cururu. Isso não dá certo.
Karaoquê: pensando bem... Será que não dá para tirar férias, mesmo?

COMENTÁRIO ORIGINAL:

Maria Traíra


Foi correligionária de carteirinha e vale transporte.
Capaz de gestos significativos, partiu com uma enorme cesta de café da manhã para estar mais próxima de um figurão, que passava por momento delicado.
Queria ter fama de útil e íntima de poderosos.
Não havia data especial em que não sacrificasse a família para estar ao lado daqueles a quem servia, com a lealdade de um cão pouco confiável.Comparação injusta, cães não votam, não traem, enfim.
Oferecia as iguarias favoritas de cada um, tentando agradar aos amos, que esses eram vários, sempre.
Aos poucos, desenvolveu a paranóia que estaria sendo vigiada, por causa das suas tarefas tão importantes. Ela sabia demais!
Ouvia clics no celular e identificava uma respiração ofegante no telefone. Tudo estava grampeado!
Era capaz de rasgar uma carta e distribuir os pedaços por dez lixeiras diferentes, e não achava isso nem um pouco estranho. Fazia a mesma operação com cartões de crédito fora da validade. Um pedaço na lixeira da sala, outro no banheiro...os demais, ía espalhando pela Arterial 18.
Durante a disputa eleitoral, listava os simpatizantes da oposição, para informar sabe-se lá a quem. A verdade é que ninguém deu-lhe muita importância ou atenção, nem aos seus relatórios estratégicos, que se multiplicavam em pastas transparentes, todas numeradas.
Quando as urnas elegeram a tal da oposição, ela surtou de vez. Acusou as amigas de corpo mole e caçou culpados. Repetia histórias mirabolantes de sabotagens e perseguições.
Parecia a doida de carteirinha da crônica do Ed, mas sem aquele charme e nenhuma veia artística. Essa era uma maluca muito chata.
Gaguejava constantemente e passava dias rasgando papéis inúteis, que chamava de documentos sigilosos.
Uma tarde, ao carregar a bandeja até a casa de um dos seus tutores, descobriu que lá já não havia ninguém, há mais de mês.
A família tinha viajado para Fortaleza, onde já estava instalada na praia de Iracema, sem deixar o novo telefone.
Sentiu-se órfã, de repente.
Não haviam dito até logo, obrigado ou qualquer coisa simpática.
Logo com ela, que era quase da família. Mas “quase” é que faz a diferença, queridinha!
Ficou uma semana em estado catatônico, até que amanheceu com um novo gás, uma nova energia e um brilho estranho no olhar de Pedro Collor.
Achava que Deus havia lhe enviado “sinais” e que agora sim, ela entendia todos os acontecimentos.
Colocou uma camiseta branca sobre o jeans e rumou para a loja de cds, buscando um exemplar de “Vermelhão”. Na volta, procurou o livro da Marilena Chauí e do Frei Leonardo Boff. Na agenda, os contatos dos companheiros.
As lentes cor de hortênsia foram para a gaveta, junto com quilos de correntes douradas e os escarpins de salto agulha. Ela agora era uma nova mulher. De tênis.
Sabia tudo sobre distribuição de renda e pretendia fundar a ONG Mulheres Abandonadas Empreendedoras do Jurunas e a Associação dos Comerciantes da Rua do Arame com Passagem São Benedito.
Deixou de freqüentar o La Vie en Rose e tornou-se íntima da muqueca da Apinagés, sempre despojada, com o look “crédito universitário”, brinco de pena e cordinha sebosa no tornozelo.
Na última vez que a vi, estava provando um terninho branco, com camisa vermelha.
A filha comentou que parecia o Zeca Pagodinho.
Mas ela suspirava, “Vou para Brasília, minha filha, me aguarde”.

COMENTÀRIOS ORIGINAIS:
26 de Setembro de 2007 20:57
tania_guimaraes3 disse...
Vera, achei essa sua "Maria Traíra" muito parecida com algumas muitas de nossas conhecidas... rsrsrsrsrs!!!
Mas independente de qualquer coisa, vc está de parabéns! É a primeira vez que acesso seu blog e já virei freguesa assídua viu?!
Beijos, beijos...

Tânia Guimarães

Com ou sem pimenta? (Publicado em 7/9/2007)


Querida “Dona de Casa”,
Perdoe-me a demora, mas realmente não sabia se deveria responder seu e-mail.
Conselhos, você bem o disse, é coisa para profissionais ou quem nos conhece muito bem.
Não me encaixo em nenhum dos dois, minha coluna não trata de relacionamentos, não sempre. Entretanto...Posso ser absolutamente franca com você e isso talvez a ajude.
Você se queixa da falta de tempero no casamento e, como toda esposa entediada, culpa o maridão, o que, convenhamos, é muito mais fácil mas não resolve nada.
Cá entre nós duas: quase sempre a mulher detém as rédeas dos relacionamentos e só não exerce esse poder por medo, insegurança ou desconhecimento, mesmo. Ou por tudo isso, compreende?
Você me parece muito preocupada com ‘o que ele vai pensar’ desses seus desejos...Como se fosse um desconhecido.
A maioria dos homens agradeceria aos deuses do olimpo se suas esposinhas deixassem o avental todo sujo de ovo numa gaveta, quando eles colocassem os pés em casa. Pelo menos quando as crianças já estivessem dormindo, sacou ?
Todo mundo tem seus macaquinhos no sótão. Se não os deixa livres, de vez em quando, um dia começam a quebrar tudo;daí, ...Bem, essa parte você já conhece.
Vamos ao que interessa.
Parta do princípio que ele também deve estar saturado desse relacionamento ‘diet’, morno e previsível, depois de dez anos.
Como diz a Ana Maria Braga: Acorda, mulher!
Muitas de nós valorizam tanto essa coisa de reputação, querem tanto o cetro de mãe, esposa e dona de casa perfeitas, que acabam sacrificando a porção ‘safadinha’ que todas temos e que deve ter encantado seu homem, tempos atrás.
Você detalhou (com esmero) tudo o que sente falta ou gostaria de experimentar. E eu pergunto, amiga: ele sabe disso?
Tímido, com a sogra morando junto (isso é grave...), e toda essa carga de ‘moralidade’ que a família (você, inclusive) impôs, de repente ele pode estar abafando as próprias fantasias, deixando de erotizar o que já deveria estar ‘pegando fogo’.
Ele vai adorar ouvir, baixinho, o que e como você quer, acredite!
Compre sim, a calcinha fio-dental que ele adorava e você jogou fora, com medo da sua mãe ver. Afinal, você ainda é uma adolescente ou já cresceu? Se ela remexer suas gavetas, merece encontrar bem mais do que um indício de que a filha vai muito bem, obrigada.
Outra coisa: celulite é coisa que só mulher presta tanta atenção. Mesmo mais gordinha, você continua sendo a mulher dele, agora...de ‘calçola’, sei não, não tem quem agüente. Conforto tem limites, queridinha!
Lembre: quando os dois gostam, qualquer coisa é mais que bom, é ótimo!
Não perca mais tempo e faça um favor a você mesma: corra para o salão, pinte as unhas do vermelho que ele adorava...Capriche da depilação, não esqueça nada.
Tire os shorts e a camiseta decotada da gaveta, tome um belo banho, use a tal colônia que ele sempre lhe presenteava. Um gloss, duas gotas e veneno e não mais...
Desligue a TV e troque a cor da lâmpada do abajur.
Tenho certeza que ele entenderá os sinais.
E vai adorar que você assuma o comando dessa nave.
Você sempre soube como fazer as coisas, meu bem, só falta um pouco de...apetite.
E fala sério, quem teve gêmeos precisa de coragem?
Assuma sua porção ‘quenga’ sim, e daí? Pense bem, isso é só entre vocês.
E só para a gente rir um pouco...Você realmente acha que as outras não têm fantasias, fetiches e essas coisas que mulheres saudáveis têm e a-do-ram?
A diferença é que algumas as colocam em prática e outras...Bem, essas passam a vida aprimorando outra personagem, enfim.
Sua pele vai ficar ótima e ele...Ah, depois você me conta!

Adoro Casamentos (publicado em 5/9/2007)


Não existe ser humano que, em algum momento, mesmo em passado remotíssimo , não tenha pensado em brindar um grande amor, com a maior prova de que a paixão é avassaladora.
Casar-se, desejar estar ao lado do outro pela manhã, quando só as atrizes da Globo são encantadoras; dividir os maus momentos, já que os bons são moleza; não existe declaração maior de amor. Que sobrevive, mesmo quando o divórcio chega ou a gente cai no mico de dividir as tralhas, cds e -isola pé de pato, mangalô três vezes- pode cometer o despautério de trocar farpas e injúrias. Depois passa. (Depois que ambos estiverem namorando e felizes!)
Fica aquela boa recordação, já que pessoas inteligentes deletam tudo que não valha a pena ser lembrado, amém.
Todo casamento é para sempre, não importa o quanto dure, essa é a verdade.
E porque não comemorar, com a pompa e a circunstância que o momento exige? Por causa daquelas pessoinhas medíocres que irão comentar “De novo?”? Porque você ainda não tem certeza de que ‘esse’ será para sempre?
Ora, vá logo reservando o salão. Essas criaturas infelizes vão falar de qualquer modo. E quer saber, as encalhadas, que não casaram uma vezinha sequer, são as que mais se incomodam com quem é feliz. É compreensível, não? Elas lá, numa secura to-tal e você aí, lindésima, distribuindo sorrisos e convitinhos...Releve, meu bem, releve.E ore para Santa Rita que ela é chique, poderosa e merece, viu?
Pode anotar; ninguém tem certeza se o “sempre” vai durar mais que o barzinho da hora ou o botox da Marta Suplicy.
Faça como a ministra, lembra? Ao contrário, claro, ela é sexóloga mas você é esperta,
Os chipanzés, os golfinhos, os leões da montanha, Romeu e Julieta, John Lennon e Yoko, os cowboys de Brokeback Mountain, a Ellen de Generis e a Anne Heche, e até Charles, um quiabo, e a Camilla, uma osga; a Luana Piovani e Rodrigo Santoro, a Luana Piovani e Dado Dolabela, a Luana Piovani e o Ricardinho Mansur... E o Rodrigo Hilbert, e o Marcos Palmeira, e o Caco Ricci, e o Paulinho Vilhena, e o Cristiano Rangel , e o Guilherme Fontes (ninguém é perfeito!), e o João Paulo Diniz, e o ..(Ah, a fila anda!Mas pra ela anda numa velocidade...só embarcando nesses aviões, não é mesmo?)
O certo é que todos, um dia, se apaixonaram. Nós também, né?
Se já encontrou alguém que balança a cristaleira e faz sua pele ficar di-vi-na...Aproveite. Quem ou o que é, só diz respeito à você, acredite!
Moda, nessas alturas, faz quem pode. E só pode, mesmo, quem é feliz, querida!
Que interessa se você estiver madura para um vestido branco com um baita véu? Isso é bobagem. O que importa é o que você quer, é o seu sonho, o que faz os olhos brilharem, apesar do cerimonial, apesar do preço do bacalhau e daquela banda que agora “se acha”.
Não importa se o casamento dos seus sonhos incluía uma produção estilo Vegas com Elvis Presley cover como testemunha. Um luau com tochas e muitos abacaxis. Uma daquelas superproduções dignas de duas páginas sociais, cascatas de bem casados e outros ti-ti-tis.
Ou uma reunião íntima, com os amigos mais chegados dançando todas dos anos oitenta e muitos beijos rolando no salão.
Ou continuar namorando e ficando, sem se preocupar se vai ser na sua ou na casa dele.Casamento é isso, é estar de bem com alguém.
O que importa é o que você quer, o que faz os olhos dos dois brilharem, apesar do cerimonial, apesar do preço do bacalhau e daquela banda que agora “se acha”.

Parodiando Ang Lee, o amor é uma força da natureza. O resto? Não tem a menor importância. Tim-tim!

Meu vestido inesquecível



Naquelas ocasiões que realmente marcam a vida da gente, eu não estive exatamente bem vestida; pelo menos não como tinha imaginado. Mesmo assim, minha natureza um tanto Pollyana (aquela menina chata que sempre acha um lado bom, em qualquer tragédia), me permitiu curtir, como se estivesse chiquérrima. Depois, enterrei as fotos para esquecer os modelitos e uma certa frustração, enfim.
E já nem lembrava daquele vestidinho curto, que aos olhos alheios nada tinha de especial; mas que, ao recordar, me encheu a alma de emoção. A memória afetiva tem desses caprichos; deixa tudo num lugarzinho seguro para, sem mais nem menos, lançar seus foguetes luminosos sobre uma noite de insônia e inferno astral.
Num desses seriados de adolescentes americanos que passam durante a madrugada, a mocinha usava estampa de morangos esparsos sobre fundo azul. De repente, era década de 70 e eu, uma menina metida à mulher, toda “se achando”.
Nessa época, meu pai ‘estava’ prefeito e, ao contrário da maioria, para nossa família essa era uma boa razão para as comemorações serem mais discretas ainda, discretíssimas; quase um sussurro. Isso era um martírio, de discreta nunca tive nada e flash era tudo de bom. Fui informada das comemorações aos meus quinze anos: missa em ação de graças e, no domingo seguinte, uma fei-jo-a-da! (E eu, sonhando com boate, My Sweet Lord e Only You..., que coisa!) Daí seis meses, debutaria na Assembléia Paraense -alguma coisa tradicional haveria de viver, mesmo que me soasse estranho...
Mas que adolescente quer festejar qualquer coisa, comendo feijão com amigos dos pais e meia dúzia de meninos magricelas? Pois é. Meu traje festivo seria quimono sobre o biquíni, que pelo menos podia usar com certo orgulho, amém.
Mas foi na missa, sob o olhar do Cônego Ápio Campos, que aconteceu a redenção. Do figurino, bem entendido. Meu vestido inesquecível tinha um sóbrio azul marinho, com saia curtinha bordada com pés de morangos floridos, aqui e ali. Rebelde com ou sem causa, eu exultava por não estar de branco ou rosa, ufa!
O modelo, minha mãe achou numa revista; como era a parte mais especial do evento, dedicou-se com delicioso afinco para que saísse exatamente igual. Confesso que nem era uma coisa do outro mundo, mas hoje sei exatamente o que o fez permanecer, para sempre.
Eu simplesmente adorava estar sendo cuidada, paparicada pela minha mãe, que me levava até a casa da D. Isolda Maués para três ou quatro provas e imaginava mais isso e aquilo. E no final, nem sei como conseguiram materializar um buquezinho, igual às estampas, para enfeitar o ombro.
Eu era do tipo despachada, escolhia roupas e, mais adulta, foi pelas mãos da saudosa tia Carmélia – uma das modistas mais respeitadas da terra – que “me achei” de verdade e me vinguei das fotos que mereceram retoques. Aos quinze, ainda bancava “a tal”; mas esqueci a rebeldia e tratei de aproveitar o “colo” que veio a reboque do vestido, tem coisa melhor?
A missa, a feijoada -que foi ótima- o poster do Studio Oliveira, a foto no Isaac; na minha memória, essa foi uma época de total felicidade, absolutamente perfeita. Irretocável.
Sem aquela humildade que a educação judaico-cristã tentou me incutir -em vão- garanto que, além de felizes, éramos uma troupe linda de viver!
Quando essas recordações me tomaram, fui até o velho álbum. Meus pais, que sempre foram discretos, faziam um belíssimo par, que as pessoas paravam para admirar. (Disseram-me que a Carminho era “a cara” da Jackie Kennedy. Bobagem...Sempre foi mais bonita! E o papai era, como se dizia, um p-ã-o!) Eu e minha irmã, de nariz perfeito e maravilhosos olhos cinza-azul-esverdeados (até hoje, poucos sabem exatamente a cor dos olhos da Márcia) aparecemos sorridentes e felizes, num dos bancos da capelinha de Santo Antonio de Lisboa. Eu nem tentei disfarçar a enorme satisfação, dentro do meu melhor vestido, no meu momento mais que inesquecível. Há exatos 37 anos. Tim tim!

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Mesmices e paparicos


Comprei meu primeiro carro - um fuscão - aos dezoito anos. Como brinde, tapetes e um chaveiro de quinta. Trinta e quatro anos depois, a diferença é que custam muito mais e a oferta é bem maior; as montadoras fazem promoções e as concessionárias, bem, elas entregam a mercadoria. O que vende mesmo é marca e preço, o serviço é quase igual, quando existem concorrentes.
Não consigo entender que alguém continue vendendo carro assim, sem criatividade; café de garrafa, os tais tapetes e um chaveirinho. Hoje os carros trazem todo tipo de inovação tecnológica mas estranhamente tapetes são opcionais, ou brinde, que coisa.
Certa loja de modulados oferece um suco de uva de tomar rezando, um cappucinno delicioso, e a gente guarda uma boa lembrança, da gentileza, da hospitalidade e isso ajuda na escolha. Quem gasta dinheiro quer ser paparicado, sim.
Lembro que uma montadora fazia uns comerciais incríveis, com uns bichos muito loucos. Foi mais quem procurou saber se vinha um, nos carros. Não, não vinha.
Certamente não é preciso lá muita imaginação para fazer com o que o cliente se sinta mimado. Que tal um cd em mp3 (pen drive ou memory card!) com sucessos musicais, desejando momentos de prazer ao volante? Como diria minha avó, para a fábrica, isso é “pinto”. Se a loja fosse minha (quem me dera!) eu entregaria o carrão com uma toalhinha personalizada, uma mini-necessaire com escova, pasta e fio-dental, afinal, “nós pensamos muito em você!”. Fácil, baratinho, e muito, muito gentil.
Outra coisa irritante e emblemática do quanto pode ser miserável essa relação com o cliente, é gastar tanto e sair com dois litros de gasolina. Fala sério, isso é muita pobreza; ou será que o valor do tanque cheio iria levar a empresa à falência? Essa providência deveria ser comum e não apenas na época das vacas magras, quando querem vender até patinete.
Mulheres geralmente são muito mais eficientes nessas coisas de mimar e fidelizar relacionamentos. Se vender cozinhas, é capaz de editar um livro de receitas para a nova feliz cliente. Uma butique onde gastamos bem menos, é cheia de pequenas grandes gentilezas e até a água é servida num copo elegante, como julgam que seus clientes sejam. Não esqueço que, dias depois de ter comprado um vestido de festa, a vendedora telefonou perguntando se tinha feito sucesso. Isso é simpático, como os votos de que você seja muito feliz ao usar uma nova jóia. Que construtora se dá ao trabalho de enviar uma cesta de café da manhã, no dia seguinte a sua mudança? Difícil? Que nada, fazem coisas muito mais complicadas.
Certa vez, num natal, recebi uma agenda super-feminina de uma loja onde não ia a tempos. Perfumada, menor que as demais, com dicas de moda e etiqueta, espaço para aniversários, fresca como todas nós deveríamos ser, pelo menos metade do tempo. Sinto-me acolhida até hoje e claro, se for gastar, será com quem me trata bem.
Não ser criativo na venda seria desculpável se o cliente fosse realmente atendido. A maioria esquece que existe grande diferença entre vender e atender; ainda assim, tempos atrás minha filha recebeu o carro novo, instalou som e películas e rodou por dez dias com um carro que simplesmente não era o dela! Acredite que só quando o Detran liberou o plaqueamento é que o despachante “descobriu” que o número dos chassis era outro, e que o entregue era o de uma cliente de Paragominas, coitada. Alguém já conferiu chassis com nota fiscal na hora da entrega? Nem eu, ora.
A falta de qualidade no atendimento foi tamanha, que quando recebemos o carro “certo”, verificamos que a película tinha sido aplicada por cima de uma propaganda da marca. É pouco? Novo reparo, novo aborrecimento: ao puxar a película, os filamentos desembaçantes saíram grudados. Depois de dois meses, finalmente trocaram o vidro traseiro. O gerente, se achando cheio de razão, fazia cara de mau, feito o pica-pau. Desculpas? Nem pensar. Nem tapete ou chaveirinho.Quer saber? Acho que eu deveria mudar de ramo. Ou parar de reclamar

domingo, 19 de julho de 2009

Síndrome da agenda vazia


Desemprego. Esse é um tema que permanece guardado a sete ou oito chaves, como se assim, deixasse de ser um risco real. É um assunto que incomoda. Podemos falar da vida alheia, do governo, da inclinação sexual do outro, mas demissão sempre vem carregada de preconceitos, como se fosse “culpa” exclusiva da vítima; o que, convenhamos, nem sempre é o caso.
Além da questão da sobrevivência, o sistema exige que se tenha um trabalho, ainda que você eventualmente, não precise. Até quem pode “não trabalhar” é cobrado; afinal, a maior parte das pessoas não consegue imaginar a própria existência sem um emprego. A aposentadoria, recebida como conquista por mulheres, é praticamente uma sentença para homens e a falta de ocupação remunerada numa idade produtiva é dolorosa para ambos, pois independe da disposição de pular da cama e ir trabalhar.
De-sem-pre-go é um palavrão que nos remete a uma categoria inferior, tanto homens (de quem se exige sustentar a família) quanto mulheres, pois “foi-se” o tempo em que ser “do lar” merecia respeito. São raras as que têm a opção de cuidar da prole e do ninho; e as que podem, ficam “mal vistas”. Vivemos a ditadura do trabalho “fora de casa” - sem esquecer as lides domésticas, pois sobra tudo para a super mãe!
Há que se ter profissão, contra-cheque, negócio ou “bico”, ou você não é na-da! E a entressafra, que ocorre em qualquer setor, se transforma numa grande provação; e como se não bastassem as dificuldades, ainda tem “os outros”, a pior parte de qualquer demissão.
A sensação de quem perde um trabalho é a de ser desnecessário e dispensável. Ainda que a defenestração ocorra por conta da crise ou quando partidos se alternam (revezando vagas, pois em época de farinha pouca, meu pirão primeiro!); ficar oficialmente sem “nada pra fazer” é terrível, mesmo para quem jamais esqueceu que as “coisas” podiam mudar, a qualquer momento.
Em geral, falta “savoir-vivre” e as pessoas perguntam sem nenhum constrangimento, “onde é que você está”, como se tivesse que “estar”, obrigatoriamente, lotado em algum lugar. E nada que você faça depois de uma exoneração parecerá “melhor” que o trabalho perdido, mesmo que esteja ganhando o triplo. Aos olhos dos “outros”, vai levar tempo para que você seja novamente, “bem sucedido”. Talvez por isso tantos prefiram dizer que estão dando um tempo, viajando muito, cuidando dos negócios da família ou se dedicando “a um novo projeto”. Aliás, “novo projeto” é “a cara” da negação do pontapé.
No serviço público, existe enorme probabilidade de você ser o último a saber da novidade; haverá sempre um sádico que fará questão de informá-lo “em primeira mão”, pois acredite, tem quem leia o Diário Oficial cedinho, só para ver quem foi para o “olho da rua” ou conferir as diárias, o que é típico da pobreza da qual você não faz mais parte, pelo menos isso. Fosse uma promoção, todos comentariam com inveja, mas ninguém ligaria para congratulações. O ser humano é uma droga, mesmo, mas alguns ex-colegas são muito piores, arre! Prepare-se pois os conhecidos vão se dividir, alguns não tocarão no assunto, como se fosse uma doença incurável. Poucos tentarão ajudá-lo e outros, principalmente “você-sabe-quem”, procurarão notícias, mas não querem saber se está bem, saudável ou feliz. Isso não importa, e sim se você já “arranjou” um novo emprego.
Nunca vi uma frase chula tão cheia de razão, mas a verdade é que “inveja é uma merda”, então o lado bom é que você pode se livrar dos corrosivos, amém.
O tempo não cura só feridas e mágoas, deixa-nos ver que a chance de mudar - de emprego, porque não?- pode ser uma dádiva e como se diz por aí, é na crise que se cresce; espiritualmente, inclusive. Fato é que, nessa situação, você se sente um pouquinho mais humano e por isso mesmo, mais perto de Deus. E a vida continua, meu caro; com ou sem emprego.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Lula e Sarney : respeitem os cidadãos comuns!


Não entendi tanta comoção por conta de mais uma das declarações de Lula, como sempre bem ao ‘estilo Lula de ser’. O presidente foi sincero ao declarar que achava que Sarney não deveria ser tratado como um homem comum. Em respeito aos cidadãos comuns, sou obrigada a concordar com quem entende da matéria, já que na década de 1980, Lula rotulou Ribamar - o Sarney, de “grileiro do Maranhão” e ladrão. Isso mesmo, larápio. Quase trinta anos depois, ambos estão, digamos, numa categoria diferente.
No mais, quem não conhece alguém que se julga “melhor”, por causa um cargo público ou da situação sócio-econômica diferenciada ?
Atual vereadora de Maceió, a sempre destemperada Heloísa Helena, recentemente também foi vítima dessa mania de superioridade, atacando uma colega vereadora, aos gritos de “porca traidora”. Alguém consegue imaginar o escândalo, se a agredida fosse a insossa parlamentar?
Belém está “assim” de gente que pensa que pode tudo. O trânsito prova isso; a maioria se dá ‘mais direitos’ que o tal “cidadão comum”, coitado. “Se achar”, dar “carteirada”, não respeitar o próximo (e o não tão próximo), é cultural.
E Lula seria exceção, só por ter se tornado presidente? Evidente que não; mas como tal, deveria ser “politicamente correto”. Engana-se quem fica achando “isso e aquilo” quando falo no presidente. Lula não é um tema que me agrade, mas estou longe de ser uma “elitista” que não perdoa uma “pessoa simples que chegou ao poder” , como agressivamente me disse um leitor, esquecendo que, até prova em contrário, isso aqui é uma democracia, pelo menos por enquanto. Mancadas acontecem, o pior mesmo é a mentalidade torta, que uns podem ser “menos iguais” que outros, noção que infelizmente sobrevive e, ao que parece, do que depender de nós, ainda terá vida longa.
Não é a toa que me admiro ao encontrar certo deputado num supermercado do Marco, com lista na mão, empurrando carrinho, numa boa. É o mesmo que encontro no banco, esperando na fila exemplarmente, como os comuns. (E nessas ocasiões, ser ‘igual’, nos torna especiais.)
Deveria ser corriqueiro, mas não é; ser “parente de autoridade”, para a maioria, já é meio caminho andado para a arrogância, que sempre é burra. No quartel, dizem que quem pensa que manda mais que o General é a mulher do sargento.
Essas crises de “autoritarite” são habituais, desde a patroa que nem trabalha quando está menstruada, mas reclama se a empregada pede um mísero Atroveran. Ou o “playboyzinho” que enfia o pé no racha da Júlio Cezar e ameaça o policial com um batido “sabe quem é meu pai?”. A madame que estaciona em fila tripla na escola e a outra que leva um semestre para pagar a ‘continha’ da butique e quando é cobrada, acha um abuso! Acham-se acima dos outros, do bem e do mal, do moral, do lícito, e ainda querem tratamento diferenciado. Como Luis Inácio pretendeu para José Sarney, como os senadores exigem para si mesmos.
Antes que falem em Fernando Henrique, (não se pode falar no Lula sem que façam contraponto com FHC, que não tem nada a ver com a história...), não duvido que também ache que uns são ‘uns’ e outros... E daí? Se desejarmos uma realidade pouco menos caolha para nossos netos, precisamos repensar certos conceitos que acatamos pacificamente e repetimos, esquecidos de arejar as mentes que ajudamos a formar.
No quesito cidadania, ser “igual” não é ofensa e sim prerrogativa de quem é decente.
Quanto ao presidente, dessa vez acertou em cheio, apesar da gafe: pelo histórico, Sarney deveria ser tratado como infrator e não como cidadão comum!
Imagem: abril.com/veja.com

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Maria Qualquer Coisa

Vestida para lutar ela sai, ainda sem amanhecer. É guerreira.Quase escrava. É Maria, seja lá quem for.
Café requentado, um pedaço de pão dormido, vale escondido no sutiã.Não importa a cor ou quantos filhos deixou.
Carrega remorso, dor e preocupação.Mas é assim que tem que ser.Lá se vai a Maria, sob chuva de cobrir canela, calçaa enrolada, tamanco na mão.
E ela chacoalha na terceira condução, sem o sono que ainda tinha de dormir.Balança, segura a cabeça, Maria.
Na bolsa, além do trocado miúdo, um batom e um perfume barato.Um cigarro amassado e um retrato.
Balança, Maria.Passa as horas de pé, na mesma lida de todos os dias.
São mais de seis quando toma o banho para ir-se, de vez. O cheiro de rosas se perde, no mesmo ônibus modorrento que a devolve pela metade, naquilo que chama de casa.
Cabeça raspando o teto torto feito rede pensa, rangendo sob o peso d’água e da falta de condições.Mas a alma está refeita e Maria caminha mais meia hora assim, pernas doendo.Nos lábios, a velha canção.Ah, Maria...Ainda haveria de penar mais um bocado, entre tanque e baldes carregados.
Altas horas, seu homem que chega, cheirando a fumaça de cigarro de retalho e cachaça, como não? Nunca recebe cartas, apenas receitas e recados, pendurados numa geladeira que não é sua. O patrão quer pernil assado. A menina pede sempre macarrão. Também não existe dia especial, só certezas. Do trabalho pesado, das contas atrasadas, da fome adiada. Dos dentes perdidos, das pernas inchadas.Dos remédios que ficam só nas receitas. Cansaço ela esquece, e serve ao amado um prato requentado de pura afeição.
Maria, guerreira, rainha.Rebola, Maria, rebola, que vem mais um carnaval. E se banha, caneca na água fria do tambor enferrujado.Vaidosa, se perfuma, se enfeita. Passa nos lábios o toco do batom que cheira a parafina.
Diante do caco do espelho surge Maria, princesa sem tostão.E pede amor, de homem e de mulher. No gosto, no dorso. No lombo.Com cheiro de corpo e de gente.
Carnes quentes na esteira aberta no chão. Maria mãe de quatro filhos de alguns pais. Maria do tanque e do fogão. Do samba, do muro da igreja.Dos pés repletos de rachaduras, mapas da terra batida escaldante.
De muitos calos nas mãos, cabeça cheia de idéias.Maria da cor do pecado, do riso fácil e incompleto.
Do bolo de macaxeira, da banana frita. Do feijão apetitoso, dos “causos” interessantes.
Da novena incessante, (reza, reza, Maria!) Santa feiticeira.
É a Maria faceira. Que nada pede para ser feliz.
Não entende os mistérios da vida, e dela é senhora, é inteira. Sorria, sorria, amada Maria.
Que a gente vê e não enxerga. Sabe quem é, mas não conhece.E torce para ela chegar, logo que amanhece.
Dona da nossa paz, mão que alimenta e faz dormir.
Todo dia, todo dia é dia da Maria Qualquer Coisa.

Postado por Vera Cascaes às 21:40 1 comentários
Aldinair disse...
Descobri voce no Magazine,do Jornal Liberal,gosto dos seus textos,esse em especial, pois fala de todas as Marias de uma maneira linda e suave.Abraços.
28 de Maio de 2008 11:10

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Imagem: Lavadeira. Pintura bitmap de João Werner

Juntos!


Casais mais velhos me fazem pensar no que há de diferente nessa geração que permaneceu casada.Não foram pessoas desconectadas do mundo, que viveram numa bolha mofada.
Pelo contrário.Todos viajaram muito, souberam criar filhos e tentaram, com algum êxito, manter as famílias unidas...Até que a minha geração iniciou o casa-separa, enfim.
Que segredo seria esse, que mantém pessoas diferentes carinhosamente unidas apesar de tudo?A crônica de Stephen Kanitz, numa antiga “Veja”*, sobre esses relacionamentos que atravessam tempestades e saem fortificados para comemorar mais um ano, acendeu minha curiosidade.
Penso que o primeiro equívoco é achar que todos “escolheram a pessoa certa”. Isso não existe.Da mesma forma,é fantasioso crer que almas gêmeas nascem com a terrível missão de se encontrar nesse mundo de meu Deus.
Será que nenhum desses casais esteve a beira de um divórcio? É certo que sim, crises acontecem.Tentações também. Alguns podem ter cometido uma infidelidade aqui, uma transgressão acolá.
Ao que tudo indica, essa geração que hoje vive os oitenta, pouco mais pouco menos, soube preservar algo muito mais importante: lealdade.
Será que depois de casados,não apareceu ninguém melhor, mais bonito, interessante, rico, engraçado, menos carrancudo, mais fogoso, menos rígido, “mais...mais”?
Claro que sim, isso acontece todos os dias. Mas também havia lealdade aos compromissos pessoais, às escolhas feitas, apesar da vizinha gostosa e ninfomaníaca, do dentista sedutor e gabola, da amiga sacana, da falência do negócio, do filho drogado.
Penso que questionavam menos a relação e usavam esse tempo precioso para vencer a/na vida. Sim, a instabilidade dos relacionamentos é, sem dúvida, grande causa de prejuízos pessoais. E isso é muito mais do que dividir DVDs, arcar com a pensão dos moleques e comprar uma nova cama de casal.
Bem, e o que aconteceu com os netos desses casamentos longevos? Não sei, com franqueza.
A maioria já contabiliza tentativas e insucessos, ainda que com o mesmo parceiro.Esqueceram-se os pais de passar a fórmula adiante? Talvez.
Não sei se é culpa dos hormônios do frango, do efeito estufa, da falta de ensinamentos sobre como viver junto tanto tempo ou do esquecimento das coisas de Deus.
Esse segredo não nos foi dado a honra dividir, ou simplesmente não o reconhecemos esse tempo todo, bem ali, escancarado para quem quisesse, tão somente, ver.
Talvez estivesse tão evidente que tenha nos enganado, fazendo-nos até pensar “credo, não sei com ainda estão juntos. Eu? Já teria separado!”
Claro, para nossos sentidos desatentos, aquelas eram razões de cisma, de desunião; nunca a explicação para tanto tempo de parceria. E separar, ainda que muito doloroso, será sempre mais fácil do que permanecer junto. Cultivar a paciência e a tolerância, saber tornar uma relação antiga algo novo, todos os dias.
Manter aquele olhar carinhoso, apesar das rugas. Enternecer-se com elas. Amparar-se um ao outro em todas as subidas e descidas, lado a lado.
Perdoar-se mutuamente e a si mesmos por esmorecer algumas vezes.E calar.
Calar frequentemente, felicidade exige, também, que não sejamos totalmente francos. Não, não eram almas gêmeas, duas metades de qualquer coisa que se encontraram.
Apenas pessoas que decidiram que aquele amor, pequeno e frágil como todos os amores começam, esse seria para sempre, sim. Não só por causa das leis da igreja, dos homens ou da sociedade na empresa, que vai bem, obrigada, mas também porque foi assim que sonharam e vão zelar para que seja, apesar de exigir uma dose cavalar de paciência, tolerância, renúncia e, acima de tudo, inteligência.(*edição 1873 de 29 de setembro de 2004, página 22)imagem:http://www.jblog.com.br/vital.php?blogid=51&archive=2007-07
Postado por Vera Cascaes às 16:05 1 comentários
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ma oração desesperada


São três e meia da madrugada. A segunda-feira já chegou e me encontrou insone, coração angustiado. Devo-lhes um pedido de desculpas por esse texto tão ruim, essa promessa de sorrisos que não sei onde encontrar; hoje não.Não há graça nesse restinho de noite arrastada, no galo sem relógio do quintal ao lado; não consigo escrever, nenhum assunto me anima, sequer tenho vontade de retocar uma página parida num momento de alegria.Meu pensamento voa e se aninha na aura de Isabela. Ela me cala, me deixa sem fala e sem pauta. Isabela é cada criança que vemos passar, cada sorriso que espreitamos nessas rotinas que nos consomem; um menino que corre entre as cadeiras, a menina desdentada e faceira, contando sua última arte. Quem consegue esquecê-la, mesmo quando se quer brindar mais um bom dia? Quem não pede a Deus que se descubra um louco; ou dois, qualquer um que não seja o pai ou a tia Carol?Todas as coisas dessa nossa vidinha sem importância assumem a verdadeira dimensão - valem pouco, quase nada. Descobrimos que perdemos muito tempo com banalidades e mesquinharias e não enxergamos outros dramas que se desenrolam ao lado, sem TV, sem impacto.Nossas pequenas invejas e vinganças, implicâncias mal disfarçadas e perseguições – é o colega que incomoda nem sei bem a razão, o amigo que está mais feliz que o suportável, aquela que ‘se acha’...Ou os filhos da ex, que insistem em acompanhar (e atrapalhar) nossos finais de semana.Quantas vezes nos deixamos dominar pelo ciúme que envenena e descontamos nos pequenos que sobraram das uniões desfeitas ? Ah, não me diga que nunca viu algo assim.O mais aterrador é que essa família poderia estar na porta em frente. Ou no quarto ao lado. Poderia ser eu, ou você.Isabela pode ser a encarnação desses filhos de casamentos mal acabados, da paternidade vivida como obrigação - ou vingança - com hora marcada. Vítimas do desamor, do ciúme descabido, do desentendimento e, principalmente, da distância das coisas de Deus e da família.Crianças que a gente até finge que não existem, agredidas por gestos e palavras; ah, a palavra, essa arma tão perigosa...Sempre acreditei que é na separação que o casal precisa se entender, realmente. Alguém disse que certos divórcios são civilizados demais. Não, nunca é demais entendimento, conversa, respeito sincero que estabeleça uma aliança que há de cercar os filhos, esses de quem nunca nos divorciamos- apesar da distância e das novas famílias que se formam.Estar com alguém que já tem filhos exige uma dose enorme de compreensão, tolerância, desapego e muito amor. Isso não é para qualquer um.Não tenha filhos com quem não sabe amar os que você já tem. Não os leve para perto de quem não quer abrir o coração para que todos convivam em paz. Não existe a menor possibilidade de harmonia.Eu, que achava já ter vivido e visto o bastante, quedo-me, sem entendimento e sem respostas.O tempo nos fará esquecer Isabela; nossas crianças, essas, permanecerão. Que Deus as proteja de nossa imperfeição.Livra-nos, Meu Deus, dessa fúria insana, desse desamor que nos transforma em seres sem par. Não nos permite perder a capacidade de chorar, de temer, de amar, de perdoar. De respeitar e calar antes de proferir a agressão.Dá-nos um momento de lucidez quando tudo perder o sentido e o mal nos privar da razão.Enche nossos olhos de lágrimas e faz-nos tremer as pernas diante do terror, que não tenhamos frieza para mais um passo. (veracascaes@gmail.com)
Postado por Vera Cascaes às 14:46
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2 comentários:
PD disse...
Tudo triste demais, não é?
1 de Maio de 2008 17:53
Tatiana Brandão disse...
Amiga deixei um meme para vc no meu bloger olhe lá http://baboseirascom.blogspot.com/

Isso são modos?


Gente, perguntar não ofende. Principalmente quando dá para fazê-lo assim, sem ser cara a cara: onde foi parar a boa educação do nosso jet-set?Alguns acontecimentos me fazem voltar ao Marajó da minha infância, e ficar “matutando”.Recentemente, num casamento, fiquei “passada e engomada” com a falta de modos dos convidados. A noiva passou apenas quinze minutos, em fotos familiares no altar e, pasmem queridos, ao virar-se para sair, encontrou a Igreja de Santo Alexandre semideserta. Seus convidados, pessoas especiais com certeza, deviam estar esfomeados, só pode ser essa a razão, e partiram, disputando um rally pela cidade, rumo ao bufê...onde dezenas de casais já estavam acomodados. Que feio!Tem gente que nem vai mais à igreja, segue direto para a recepção. Pode, Freud?A impontualidade virou regra. Coisa de gente despreparada, mesmo!
Uma outra noiva passou quarenta minutos dentro do carro...esperando a chegada de padrinhos...que não mereciam ter recebido convite tão especial, se não têm competência para chegar dez minutos antes...Existe uma feijoada filantrópica que costumo freqüentar. É uma ocasião para rever amigas, colaborar com necessitados, mas... Senhoras da mais alta estirpe se acotovelam num espetáculo dantesco (dantesco é ótimo, né?) disputando um pedaço de chouriço ou uma fatia de torta...Patético!É um grande bolo de senhoras quase se estapeando, um amontoado de traseiros bem cevados, transformando um almocinho solidário num rega-bofe de última.E juro por Deus, é um programinha de dez reais e tem madame que manda o motora ir buscar sua “dose”, numa quentinha, já que não pôde ir.O que aconteceu com as pessoas finas, caíram pelo ralo?Numa festa de quinze anos, jovens detonaram a mesa dos doces na entrada. Como se o gesto de grosseria justificasse, senhoras portando elegantes e carésimos vestidos, passaram a mão em pratos de jantar e, (perdoai-as, Senhor!), encheram cada qual o seu e levaram 'suas marmitas' até as mesas, para serem degustadas após o jantar...que ainda nem havia sido servido.As boas maneiras foram para o espaço, junto com a nossa elegância. De que adianta uma roupa cara demais para pouco preparo?Senhoras falam com talheres à mão, numa exibição de esgrima.Nos embarques vejo, hor-ro-ri-za-da, pessoas apressando o passo para driblar uma jovem mãe com bebê, e tal da baby-bag nas mãos...Por outro lado, fomos ficando acostumadas a falta de glamour...Eu, meu bem, sou do tempo em que homens levantavam cada vez que nós, mulheres, deixavámos a mesa. Eles abriam a porta do carro, verificavam se nossas saias estavam acomodadas, fechavam com de-li-ca-de-za e aí sim, davam a volta.Desciam escadas sempre a nossa frente e andavam pelo lado de fora das calçadas.Homens que ainda nos davam livros - bons - de presente. E um brilhantinho que a gente também gosta, claro.Que nos convidavam a dançar. Ao final, agradeciam a gentileza e nos acompanhavam de volta a mesa. Hoje é um gesto de cabeça, tipo “topa?” e zero emoção.Quando nos buscavam em casa, não ficavam buzinando. Desciam, cumprimentavam os presentes e nos acompanhavam...Bons tempos.Nessa época se comia de boca fechada e ninguém seria capaz de indagar sobre sua vida sexual durante um jantar...principalmente sendo um amigo.Educação é artigo original de fábrica. Mas pode ser acessório adquirido por quem não teve, digamos, berço.Parabenizar pessoas em datas especiais, ser pontual, gentil, não falar alto nem beber demais, dar assento a uma pessoa mais velha, facilitar o acesso de grávidas e crianças, tudo isso é tão básico que nunca imaginei que seria artigo raro.Mas os espetáculos a que somos submetidos nos fazem imaginar se os inadequados seremos nós...Isso não é frescura não, querida. Isso são bons modos!veracascaes@gmail.com
Postado por Vera Cascaes às 22:36 1 comentários

A Rosa Inglesa


Trinta e um de agosto de 97.
Nem parece que faz tanto tempo assim, mas lembro da tristeza daquela noite.Fãs de Rodolfo Valentino e Elvis devem ter sofrido assim, também.Se você não teve ídolo, que pena. Eu tive!Desde o primeiro dia em que a vi, uma criança ao colo e a saia translúcida; simpatizei com aquele olhar. Olhos tristes, pedindo afago.Quando ela casou, em 81, faltei à aula na USP, tranquei-me, enroscada no sofá, curtindo o frio de julho, olhos colados na TV em preto-e-branco que me fazia sonhar colorido.Era estudante, a espera de um conto de fadas. Eu e quase todas as jovens daqueles loucos anos 80, cuja melhor imagem foi dela.Rebelde nos elegantes cabelos curtinhos, quando o que se esperava cachos dourados. Mas não ela! Diana era a nossa Barbie, em carne e osso, linda, loura, alta, magra, simpática e triste...Exatamente como a gente imaginava que seria uma princesa.No fundo, todas nós sofremos, quando ela deu sinais que o castelo não era tão encantador, assim.Compreendemos quando passou a buscar um amor, ou melhor, quem a amasse. Como havia sonhado, quando era a menina que conheceu o sisudo pretendente da irmã mais velha. A vida tem dessas coisas, até com altezas. Poderia ter sido diferente, se o príncipe de trinta anos não tivesse se encantado pela alegria, jovialidade e graça da lourinha de dezessete. Os mesmos motivos que o afastaram dela, já sua esposa. Ah, homens são assim, mesmo majestades.
E alegria não cai bem em alguns casamentos, fazer o quê?
Não havia revista onde eu não a procurasse.Copiei cabelos e modelos, achava o máximo que o planeta tivesse um conto de fadas, uma princesa, com alma, faces, porte e atitude de princesa. Quanta tristeza havia naquele semblante, quantos desamores, quanta vontade de encontrar a pedra filosofal que transformasse qualquer pequena coisa do seu dia , no ouro que é ter um amor grande e correspondido...No meio do sono que vinha, mas não vinha, acordei com a vinheta de edição extraordinária.Passei algum tempo paralisada.Não poderia ser verdade.Ela era bonita demais, boa demais, solidária demais, triste demais, princesa demais, para ter morrido. Pessoas assim não morrem, pensei.E pela primeira vez eu tive medo da morte, pois vive cometendo enganos. Sufoquei o rosto num travesseiro e chorei .Tive vergonha daquela tristeza, que bobagem derramar lágrimas por uma desconhecida que jamais, em tempo algum, eu poderia conhecer...Não precisei disfarçar da minha filha, os olhos inchados. Desde aquele primeiro de maio de 94, ela sabia o que é perder um ídolo. Da mesma forma que eu a confortei, sem saber o que dizer da partida de Ayrton Senna, ela apenas me abraçou, batendo de leve as mãozinhas nas minhas costas. E então, orei por ela, pela nossa princesa.Tantos anos depois sei que chorei por ter descoberto que fadas e princesas não existem mais.E que sonhos são assim, miragens que o vento apaga, como uma chama.Na gaveta, num recorte de revista, Ela resplandece, o sorriso alvo, naquele espetacular vestido de veludo azul.Não me importa que você ache bobagem, todo mundo guarda a mais linda boneca e o melhor dos sonhos para sempre. (veracascaes@gmail.com)
Postado por Vera Cascaes às 01:22 1 comentários

Com Johny Rivers, Victor e Leo

O dia dos namorados finalmente havia passado. Não que ela ligasse, aliás, todo mundo sabia que não dava a mínima para essas datas comerciais, criadas por um espertinho qualquer, com a única finalidade de aquecer as vendas do comércio decadente.Ou quem sabe, esse espertinho fosse uma tarado cruel, que sabia exatamente como fazer com que uma mulher maravilhosa, descolada, antenada e cheirosa se sentisse...ultrapassada, sozinha, esquecida, azeda.Não, ela não iria entregar os pontos só porque não entendia como alguém com esse currículo todo, estivesse sozinha, nessa e em todas as outras datas comerciais, que diacho!Humm...Nunca havia notado que “Do you wanna dance’ tinha uma letrinha tão simples. Como quase tudo naquela época em que ela ainda fazia ‘doce’ para ficar com algum bonitão no salão da AP, que ainda tinha aquele clima de coisa fina, sem esse monte de camelôs na calçada; ah, decididamente, naquele tempo ela era mais bem humorada.Johny Rivers dizia tudo que ela queria ouvir em poucas linhas, mas o coração também apertava quando o James Blunt uivava na novela das nove, o mesmo drama de quem quer, muito, um amor qualquer.Como num origami, o seu príncipe (aquele da barba macia, lábios grossos e olhos pidões) havia permanecido numa dimensão qualquer, ali pelos trinta e sete anos...para sempre. E ela continuava procurando e só o que encontrava era um tempo perdido, que não lhe pertencia. Não era ontem, não seria amanhã; era apenas um momento, era tudo e nada mais.Imagina, se ela, a descolada, ia querer cueca na gaveta, escova de dentes no armário? Isso é coisa de mulherzinha. Só uma louca poderia sonhar com essas bobagens de dormir de conchinha, de passar as mãos nas costas do amado até adormecer ou vê-lo adormecido, que meigo.Quanta pieguice, credo!As mulheres estavam se tornando tão, tão, tão...Imagina -repetia- correr para depilação, manicure, banho de lua; fazer escova e estrear lingerie de griffe, só para agradar um marmanjo num dia como outro qualquer...?Já nem sabia desde quando não comemorava essas coisas na data certa...Homens casados têm muita imaginação, geralmente comemoram ‘antes’, claro, só para garantir que suas ‘outras’ estejam saciadas, vestindo um velho moletom macio, vendo TV e comendo pipoca, sem ligar a cada meia hora para o celular...enquanto eles jantam com as esposas felizes.Ora, e ela com isso? Não estava tudo bem? Claro que sim.Era apenas uma questão de tempo. (Perdido, talvez.)E quanta cafonice, Jesus! (Será que alguém ainda fala assim?) Na verdade, paixão era uma das coisas mais bregas que ela conhecia. Pessoas em estado amoroso ficam assim, ridículas, com aquele sorriso ridículo, ouvindo músicas ridículas.Ela nem sabia quando havia comprado aquele CD, Victor e Leo; se o pessoal do escritório a ouvisse cantando “...eu sou o teu segredo mais oculto... teu desejo mais profundo...tua fome de prazer...”, diriam logo que ela estava apaixonada.“Sou teu luar em plena luz do dia...”, ah, até que não era tão ruim...Em que dobra do tempo ele andaria agora, realizando coisas e experimentando tudo que ela já sabia de cor...?Ah, fazer um jantarzinho, deitar no futton, que amantes adoram amar num futton...Tomar cafés de todos os sabores naquelas xícaras enormes e cheias de personalidade, ouvir a Amy Whinehouse antes que ela acabe e cometer essas pequenas e deliciosas breguices do amor...Bastava encontrar aquele menino barroco, eternamente em guerra entre o sagrado e o profano...Longe dela e daquelas datas comerciais.Entre um gole e outro de vinho velho, ela cantarolava com os meninos mineiros e Johny Rivers, num quarteto pra lá de improvável: 'Do you wanna...' 'sou eu em você...'
Postado por Vera Cascaes às 00:12 1 comentários

Meu saudoso pai

Semana passada fez seis anos que ele partiu e até hoje o sinto perto de mim. Fui até o cemitério trocar as flores e percebi que para mim, parecia ter sido outro dia que sofremos tanto naquela despedida. Não importa o quanto esteja doente, o quanto já tenha vivido e se o sofrimento nos leve a aceitar a morte como uma libertação; despedir-se irremediavelmente de alguém que se ama é uma dor enorme, que permanecerá feito cicatriz. Até hoje tenho ímpetos de telefonar-lhe quando algo de bom me acontece ou adoeço; quando preciso decidir alguma e estou insegura. Meu pai nem sempre concordava com minhas escolhas, mas me deixava a certeza de que, sob qualquer circunstância, poderia contar com o colo amigo e acima de tudo, cúmplice. Aos longo dos anos já escrevi sobre minha família inteira, incluindo meu cães e gatas, mas do meu pai apenas falei da enorme saudade. Era um ferimento que não queria expor. Hoje me pego lembrando de um velho Cascaes diferente, que só mamãe, eu, Márcia, Beth, Tavinho e nossa pequena família conhecíamos. Que era caxias, enérgico, forte, vaidoso e madrugador, todos sabiam. Mas havia um outro Octavio que nos divertia, sempre engraçado, inventando canções cabeludas (para desespero da minha mãe) e nos fazendo rir o tempo todo, soprando o ar entre os lábios frouxos quando queria demonstrar enfado. Mas ele só conseguia soltar-se assim em casa ou com a turma que se reunia anos a fio na garagem do Luciano Moraes, para o jogo de buraco regado à gargalhas, com o Raimundo Libório, Héber Monção e Mário Teixeira. A gente sabia que era ali que ele reabastecia suas energias e suportava a pressão para mais uma jornada. Meu pai era um trabalhador, um homem cuja maior vaidade era o nome que carregava, naquele porte de galã que sempre teve. Apesar de cara de mau, com as duas filhas sempre se derretia. Certa vez, quando era eu a jovem apresentadora da TV liberal, deveria apresentar o Concurso de Rainha das Piscinas ao lado do Chico César, pois naquela época, éramos o ‘casal telejornal’. A atração seria ‘ninguém mais nem menos’ que o Roberto Carlos, no salão recém inaugurado do Pará Clube. É..., faz muito tempo. Fato é que de tardinha cismei de ficar loura e claro, deu tudo errado. Saí do salão parecendo uma samambaia, com as mechas esverdeadas por conta de uma rinsagem ‘cèndre’, que eu não tinha a menor idéia que cor era. Ao chegar aos berros para lavar a cabeça (todas as vezes que tentava fazer cabelo ou maquiagem fora, lavava e fazia eu mesma, tudo de novo!) vi papai desesperado, me lembrando do mega compromisso. Aos prantos, engasgando, respondi que não iria mais ‘com aquele cabelo’. Bom dizer que papai nunca foi afeito a essas ‘coisas de mulher’, não fazia idéia do que tinha ocorrido, mas saiu, em bermudas, e voltou da farmácia com um xampu tonalizante negro (!) dizendo “Toma, filha, vê se dá para remediar!”. Claro que daria, tinha que dar! Casa lotada, quando anunciamos “ E com vocês...Roberrrto Carlos”, eu sabia que não estava numa das minhas melhores noites, o cabelo muito escuro sombreava as olheiras e estava seco feito palha. Mas tinha certeza que em casa, meu maior fã estava torcendo por mim, cigarrinho entre os dedos, anotando as falhas para depois me alertar. Esse, era o doce Tatá. Desde os tempos de colégio minha habilidade com o microfone era valorizada por conta do vozeirão, afinal, herdei os dons do astro da rádio novela Ressurreição, um enorme sucesso na época; e décadas depois ainda tinha quem lembrasse disso em plena rua. Durante meus anos de TV, me dizia o que devia ser melhorado, às vezes fazia gozação...“É, ‘fela’ (um termo só nosso) hoje tu nem gaguejaste!’ e minha mãe acudia, “Ora deixa a menina!”. Fiquei esses dias meio que revivendo nossas boas e velhas histórias. O coração apertou, não de tristeza, mas de saudade. Os olhos marejaram e eu, mais uma vez, agradeci a Deus ter sido tão feliz com a minha família.

Síndrome da agenda vazia

De uns tempos para cá, alguns assuntos que eram poucos discutidos ocuparam espaço na mídia. Nunca se escreveu tanto sobre o ‘ninho vazio’, aquele excesso de tempo e espaço que nos acomete quando os filhos já alçaram vôo.
Um tema, entretanto, permanece guardado a sete ou oito chaves: desemprego. Sim, a falta de ocupação, alheia a sua vontade de acordar e ir trabalhar todo santo dia.
Não, não se trata de aposentadoria, que é recebida por mulheres como conquista e por homens praticamente como sentença. É pior que isso.
De-sem-pre-go, esse palavrão que os ‘não concursados’ temem ouvir ou pronunciar.
A sensação de quem perde o trabalho é justamente essa, de ter sido dispensado, de não prestar pra nada, de não fazer a menor falta.
Mesmo que a defenestração ocorra por conta da crise e leve junto vinte por cento da empresa, ou ainda que ocorra naquela fatídica mudança de administração de governo, quando partidos se revezam e revezam também, a empregabilidade, ainda assim, ficar sem ‘nada’ de uma hora pra outra é, simplesmente, terrível.
Eu sei muito bem disso.
Quando a gente faz parte de uma assessoria vinculada a determinado partido, não se perde de vista a possibilidade das ‘coisas’ mudarem e, por conta disso, acabarmos tomando o ‘caminho da roça’. Por mais técnica que seja sua ocupação, por mais correta que tenha sido sua atuação, esqueça, isso é coisa que não interessa ao novo governo. E é até bastante compreensível, não é? Cada qual no seu quadrado, com os seus.
O problema é que falta ‘savoir-faire’ nessas ocasiões. As pessoas perguntam ‘na lata’ onde é ‘que você está’, como se essa situação não fosse aguardada por todos. E nada que você esteja fazendo depois disso parecerá ‘melhor’ que o trabalho perdido, nem que você esteja ganhando o dobro. Aos olhos dos ‘outros’, vai levar um tempo para que você seja novamente, uma pessoa bem sucedida. Talvez seja por isso que tantos dizem estar ‘dando um tempo’, cuidando dos negócios da família ou se dedicando a um novo projeto pessoal.
É a fase da negação.
Aliás, dar essa ‘boa nova’ (ui) em primeira mão aos ‘dispensados’ é fonte de enorme prazer para os sádicos de plantão que existem em toda repartição. Por outro lado, isso o livra da chatice de ler o Diário Oficial, pode crer que você ficará sabendo rapidinho. Já se fosse promovida...
Lembro bem de um certo Natal, há três anos. No meio das compras para a ceia, meu celular tocou. E depois da notícia fiquei ali, com um peru descongelando no carrinho, rodando pelos corredores em pleno dia 23 de dezembro, pensando como seria minha (sobre) vida depois daquela canetada. Admirei-me com minha comoção, pois eu sempre soube que seria assim.
Fato é que de uma hora pra outra você se sente mais mortal e por isso mesmo, mais perto de Deus.
Os conhecidos se dividirão, alguns não tocam no assunto, do mesmo jeito quando se tem uma doença incurável, ninguém fala nisso. Ou seja, poucos tentaram ajudá-lo. Outros, principalmente ex-colegas, procuram saber de você, mas não se está bem, com saúde e feliz. Não, isso não importa, Eles querem é saber se você ‘arranjou’ um novo emprego.
Sabe, nunca vi uma frase chula tão cheia de razão, mas a verdade é que a inveja é uma merda. E uma das coisas que você se livra é dos invejosos corrosivos, amém.
Como todo mundo que já foi colocado no ‘olho da rua’, cumpri minha quarentena. Passei por uma fase de negação (imagina só se uma profissional como eu vai ser mandada embora), passei pela aceitação até que o tempo me fez ver algo que poucos conseguem visualizar: a liberdade.
Essa paz que aos poucos vai se acomodando e que lá pelas tantas nos leva até a duvidar como éramos capazes de trabalhar tanto... O tempo cura as feridas e mágoas, nos faz ver que quem perdeu mais não fomos nós e que a chance de mudar é uma dádiva, como dizem os orientais, é na crise que se cresce; espiritualmente, inclusive.
Outro dia encontrei uma ex-colega, que me fez companhia no Diário Oficial, no mesmo supermercado onde estava naquele Natal. Tomamos café, batemos um longo papo e chegamos à conclusão que estamos muito melhor do que há três anos. Estamos, finalmente, prontas para olhar em muitas direções.