quarta-feira, 14 de outubro de 2009

T.P.N

(Chuva, de Oswaldo Goeldi)


Ao contrário do que parece, não sou esfuziante; não o tempo todo.
Tenho momentos de introspecção, ouço o que me diz o silêncio, coisa freqüente no final do ano.
É, meu amigo João Carlos, você não está sozinho nessa vontade de chorar sem motivo, nesse pensar nas diferenças, afinal, o Natal é lindo, mas nem assim deixa de ser a festa mundial das desigualdades.
E pessoas mais sensíveis pensam nisso, entre uma compra e outra.
Ontem voltava para meu bairro, o Marco. Num farol, um senhor, com roupas puídas esandálias quase ralas, atravessava a rua, sob a chuva, uma sacola com não mais de três pães.

Com uma das mãos acenava , garantindo que estaria em segurança, pedindo a passagem (que tinha direito), na faixa de pedestres.
Só a cena me fez soluçar. Era o contraste da humildade com a intolerância do trânsito, onde covardes se portam como valentões.
Chorei pela chuva, pelos pães, por nós.
Fui tomada pela solidão dos que não foram chamados para a festa do amigo oculto.
Nada é pior que a sensação de estar sobrando.
Dos que não estavam nos shoppings garimpando um presente por nem terem uma lista.
Deve ser um horror, pior do que se desculpar o tempo todo, por ter tantos a comprar que serão “apenas lembrancinhas”. Nada que se receba no Natal será “apenas” uma lembrancinha, e sim um enorme aviso, para não esquecer jamais, que alguém lembrou de você.
Tensão Pré Natalalina, esse fenômeno que nos faz derramar lágrimas e até pensar em quem adormece com fome ou dor, abateu uma amiga, exemplo de fortaleza, que pediu licença e, bravamente, chorou até borrar o rímel.
Sentia-se cansada de tentar conciliar o inconciliável, de manter-se de pé, quando a vontade é desabar.
No meio dessa roda viva de comes e bebes, mais bebes do que comes, de carros novos, DVDs, promoções, viagens para paraísos que provavelmente nem saberei localizar, encontrei uma das razões desse “tilt” que Noel traz a reboque.
Estamos todos no mesmo vagão desse trem, mas nem sempre conversamos, trocamos idéias ou sinceridades. Nem sempre pedimos licença para chorar de apreensão antes que sejam lágrimas de mágoa ou raiva.E pior, sempre existe alguém para levantar uma possibilidade do que não existe, iniciar o tricô dos mal-entendidos.
Ufa! No final do ano, a bagagem de mão está pesada e precisamos aliviar a carga. Deixar tudo num canto para iniciar o próximo de mãos quase vazias e forças para arrastar um container.
Essa é a vida moderna, tu-do que pedimos a Deus.

Só não lembramos do ônus: reuniões de condomínio, descontos nos contra-cheques, vestibular da filha amada, malha-fina, cheques que nem Ele sabe quando conseguiremos descontar, shopping lotado de pessoas indecisas, churrascos calorentos, carros estranhos na nossa vaga, o açaí que azedou...Tudo parece acontecer em dezembro!

Não existe herói que sobreviva com cara de super ou algum caráter.
Ontem eu chorei, sim. Até perder o fôlego e a paciência, que o filme na HBO estava mais interessante, e sabe?, não sou muito boa com essas depressões.
Peguei o telefone e desabafei com quem deveria, deixei fluir minhas incertezas e finalmente vi que tudo se esclarecia. Acabei com os ruídos da minha comunicação.
Não sou boazinha, pelo contrário, sou uma peste. Tenho meus momentos “Clodovil” e quando elimino alguém, é de caso pensado, favas contadas e conferidas.
Jamais voltei atrás pela certeza de saber que gangrena é caso para amputação e ponto.
Mas estou mais sensível; é o clima nublado, o calor intolerável, o céu em lágrimas e os meus hormônios enlouquecidos.
Resguardo-me feito uma ostra tagarela, isolada, mas teclando compulsivamente.Lá fora, a chuva, o calor, e a agitação, me lembram que o Natal vai chegar. E passar, amém.

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