segunda-feira, 24 de maio de 2010

Brasil, il, il, il...Tá bom assim?


Duas paixões nacionais não me comovem mais, pelo menos não como ao resto do país: carnaval e copa do mundo. Acho uma chatice, não ligo para quem ficou de fora da lista do Dunga e agradeço aos céus ter TV por assinatura, amém. Não implico com quem é capaz de perder o emprego para não perder um jogo. Ou com quem reúne amigos, para ver a Beija Flor; apenas não consigo me motivar. Até tento disfarçar, mas ambos não representam mais que algumas lembranças, deixadas lá atrás.
Eu já adorei carnaval; de rua, inclusive. Naquele tempo, a gente tinha os quatro finais de semana “pré-carnavalescos” para colocar o bloco da rua. A Praça da República era tu-do! Grande Família, Bandalheira, Unidos da Vila Farah, Xavantes... Dava vontade de brincar em todos. Brincar, sim; carnaval era diversão, e das boas – o que está bem longe de ser careta, queridinha.
A gente não tinha tempo - ou vontade - de tomar conhecimento do carnaval do sul, mesmo que já fosse “o maior espetáculo da terra”. Que farra! Ninguém imaginava que as Negas Malucas que faziam “forfait”, eram jovens de tradicionais famílias de Belém - eu, que era esperta, no meio. E nos salões, garanto que não havia carnaval tão bom quanto o daqui. Mas isso, os jovens não podem sequer imaginar como era. Depois... Bem, depois virou essa chatice; um calendário com data marcada para ir para Salinas e tomar todas, nada mais.
Até desfilei duas vezes no Rio, foi ótimo, blá blá blá, e fim. Não consigo “virar a noite” para ver as escolas, acabo dando uma espiada no compacto e estamos conversados.
Talvez seja a falta de uma “turma”, mas mesmo que uma multidão se reunisse em minha casa para assistir ao Carnaval ou à Copa, para mim um bom papo continuaria sendo muito mais interessante.
OK, sei que você adora, por isso fico na minha, levanto os indicadores e “alalaô-ô-ô ô-ô-ô, mas que calor, ô-ô-ô-ô...”. Do tempo em que Momo tinha reinado em Belém, claro!
Copa do Mundo... Lembro de várias. Na vitória de setenta, a “pipoca” da Assembléia foi em ritmo de “Pra Frente, Brasil!”.
Na de 78, saí de casa, na Batista Campos para assistir um jogo do Brasil com amigos, na Rui Barbosa. Fui a pé e estava atrasada, só para variar. Ruas vazias e em vez de apressar o passo, me coloquei a pensar sobre as calçadas, sobre a vida, solidão e esses assuntos que tomam conta da cabeça dos cronistas – mesmo antes de saberem que, um dia, serão cronistas. Sei lá a razão, quando Belém está vazia, lembro exatamente daquele dia.
Para cada copa tenho uma recordação; algumas felizes, a maioria nem tanto. Na de 82 eu aguardava a chegada da Verena com Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico, uau! Em 90 eu retornei para Belém depois de nove anos fora. No penta, perdi meu pai; lembro dos fogos, enquanto encerrávamos o velório.
Ao contrário do carnaval e do futebol locais, que só perderam, no resto do país ambos melhoraram, e muito. Outro dia, sapeando a TV, vi uns tapes dos jogos de 70 e pasmem, até eu me surpreendi com uns lances esquisitos; Pelé bobeando na cobrança de faltas, Gerson errando passes, Rivelino demorando a passar a bola. Na época, acho que nem deu para notar. Já a magia... A copa de 70 foi mágica e emblemática! (E não tinha o Galvão Bueno, que maravilha!)
Fico imaginando o quanto aquela vitória influenciou os nossos destinos, que coisa. A desse ano vai pesar na eleição do (ou da) presidente. Coisa de Brasil, enfim.
As copas passam e eu não ligo, só para as consequências; mas não fico dizendo isso por aí. As pessoas reagem da mesma forma com quem não “adora” crianças; não gostar de futebol é, digamos, suportável, mas não a-m-a-r a seleção, é absurdo!
Então tá. Vou arrumar uma camisa amarela, fazer aquela cara de felicidade e fingir que sou íntima do esquema do Dunga. (Depois de anotar o horário dos Pinguins de Madagascar, na TV. São ó-ti-mos, você já viu?) Brasiiiiiiiil, il,il,il...

A nova cozinha regional, arre!


Filé de peixe, manteiga, gorgonzola, chicória (e alfavaca, claro!), parmesão, bacalhau, jambu, catupiri; e não só para rimar, batatas, camarões e tucupi; molhos de tomate e bechamel, pimenta de cheiro, pimentão, ervas de Provence, bacon e arroz...
Não, não é lista de compras, mas os ingredientes de um único prato, criação local. Não me pergunte que cogumelos o “chef” andou comendo, mas são perigosos, acredite.
Vão me achar antiga e implicante, mas encontrar um simples filé de pescada, grelhado, com farofinha úmida e arroz branco e soltinho, é difícil. Os restaurantes mais “mais”, mesmo, é que oferecem pratos descomplicados. Sabe aquela história do cara que não sabe fazer arroz, mas faz um “risotti” di-vi-no? Pois é... Simplicidade exige conhecimento; quem não sabe, enche tudo de creme de leite, mais dez ingredientes e... Voilá, eis a “enrolation cuisine” - de olhos fechados, em meio a tantos sabores, ninguém sabe o que está comendo, que coisa.
Atualmente temos talentosos (e reconhecidos!) “chefs”, mas há vinte anos, o querido Paulo Martins era um dos poucos; e se colocou a provar e propor novos sabores aos paladares mais curiosos, com enorme competência. Sempre confiei nas suas sugestões que mesclavam o tradicional com generosos toques de ousadia. Foi assim que surgiu o tão copiado Filé ao Molho de Castanha, as versáteis pupunhas, ora recheadas com roquefort (uau!), ora carameladas, acompanhando garbosamente um assado, que maravilha. Comer bem é um privilégio, não é mesmo?
Belém é conhecida pela excelente gastronomia e quando os restaurantes passaram a reinterpretar receitas tradicionais, percebi que vivíamos uma ocasião especial; nem em sonho temi essas bizarrices, que alguns ainda chamam de “nova cozinha regional” - em detrimento desta.
Experimentos têm limites – do bom senso e bom gosto, só para começar. Lembro do restaurante que não sobreviveu um semestre à arrogância da proposta – rústico pretensioso, ou o inverso, tanto faz – e ao cardápio, repleto de frescuras e pouca excelência. Era ‘um tal’ de perfume disso e buquê daquilo, tantos sotaques esquisitos e invencionices, que resolvi me aventurar num peixe que, segundo o maitre metido a besta, exalaria aroma de maracujá. Cheirava a peixe mesmo, e ainda estava congelado no centro; que lástima. O frango do colega, frio, voltou para a cozinha e retornou torrado. A casa (como tantas outras!) fechou seis meses depois, um alívio!
Claro que escrever sobre culinária é mais fácil que encarar panelas e especiarias. Aliás, “séculos” atrás, quando li o primeiro cardápio do Roxy, vi que dá para escrever um clássico sobre as comidinhas que amamos, quando elas chegam deliciosas. O que pode ser mais interessante que inebriante talharim, imaginoso filé, generosas porções de bacon, portentosas batatas... Além de delicioso, soa incrivelmente divertido; a cara do lugar - uau, de novo! (Um dia, ainda vou descrever pratos em cardápios, anote!)
Nem precisa cozinhar bem (E eu, queridinha, puxei à família e cozinho divinamente, viu?) para temer algumas criações apresentadas com aqueles ares de quem entende tudo de gastronomia e vive fazendo cursos em Paris - ou Cametá, que seja. Cozinha moderna é mais que misturar ingredientes caros, pena que muitos esqueçam esse detalhe. Graças aos céus, podemos sobreviver longe desses embromadores; ainda são muitos os locais onde, além de se comer muito bem (mesmo), tudo o mais vale a pena.
Tenho meus restaurantes favoritos, conheço lugares despretensiosos onde se come feito reis e aplaudo novidades que mantém o bom gosto; mas se você não tem competência para inovar, querida, copie, opte pela simplicidade, vai ser bem melhor... Para seus clientes, principalmente. E por favor, não coloque mais pirarucu, brie, tucupi, açafrão, conhaque, bacuri e macaxeira no meu prato. Pelo menos não ao mesmo tempo. E estamos conversadas.

Lá no passado...

Tempos atrás, fui convidada a escrever a saudação de uma turma que se formava. Fiquei me achando muito importante, principalmente quando soube que o texto seria fundo de um clip, coisa que formandos gostam muito. Atendi ao pedido e nem sei como as coisas saíram.
Arrumando meus arquivos – como se isso fosse possível- acabei relendo o texto e vi que o frescor do restinho de juventude ainda conservava a credulidade romântica que me trapalhou os planos, várias vezes. Compulsiva, acabei corrigindo os votos de felicidade e acrescentando algo que hoje sei ser fundamental à carreira de quem quer que seja.
Senhores formandos, jamais deixem que outra pessoa trate dos seus interesses junto aos seus chefes; nem sempre os mais bem intencionados conseguem dizer exatamente o que você diria. Nada (nem ninguém) substitui o olho no olho; e perder uma chance dessas, pode ser perder todas.
Lá atrás, durante a troca periódica do comando da instituição onde trabalhava, acabei cometendo esse equívoco e jamais tive uma oportunidade de esclarecer os fatos.
A verdade é que não tinha nenhuma relação com o novo chefe e, apesar de ser um tanto esfuziante, entrava num surto de timidez diante do homem sério, de voz grave e gestos contidos. Um diretor, em cujo departamento estava subordinada, gentilmente tratou de uma reivindicação fundamental na minha carreira, que tinha tudo para prosseguir na casa. Eu queria muito tocar um projeto que seria lançado em breve.
Hoje, percebo que não era o momento; o novo chefe tinha mil coisas importantes a fazer e mexer na minha sessão, que vinha dando excelentes resultados, seria inconveniente, pelo menos naqueles dias.
Talvez se eu tivesse conversado com ele, pudesse intuir que seria melhor esperar. Quem sabe mostrasse as razões de me sentir subaproveitada por ter cumprido as metas e não ter, de imediato, nenhum novo desafio. Eu queria crescer, e não abandonar o barco – e seu comandante.
Nunca soube o que foi dito. Acabei indo para um setor muito menos produtivo, passei uma enorme temporada fazendo varejo e me sentindo verdadeiramente mal.
Nunca subestime o poder de uma secretária, essa é uma relação onde só você tem a perder, portanto, muita cautela e falsas amabilidades só lhe farão bem; faz parte. A “colega” da superintendência blindou o chefe, manipulando oportunidades de encontro, filtrando telefonemas e correspondências.
Jamais consegui, sequer, falar-lhe. Um belo dia, o destino me fez dar uma outra volta e as distâncias só aumentaram. Ficou uma nódoa, um mea-culpa tardio que me faz engasgar e sem conseguir digerir.
A questão é que não suporto a idéia de ter sido mal interpretada, muito menos de ter sido evitada como fui. Adianta alguma coisa, tantos anos depois, remoer a questão? Não. Nenhuma terapia irá me curar desse cacoete de lembrar só as coisas boas dos demais e jamais esquecer meus próprios enganos. Eu me cobro todos os dias e sei que o caso nunca terá solução. Como uma tatuagem, terei que conviver com isso.
Nada disso teria sentido se não se tornasse uma exemplar história de insucesso; se ninguém pudesse ganhar algo com minha experiência de erros. Portanto, caros calouros que hoje já devem estar bombando por aí, não façam o que fiz. Procuração mesmo, só em cartório, com poderes muito bem definidos; favores, mesmo dos bem intencionados, nunca dão certo, acredite!
O meu ex-chefe? Vejo muito pouco. Quem sabe um dia possa dizer-lhe que gostaria apenas que soubesse de algo que ficou mal esclarecido, séculos atrás. Ou não. Tomamos outros rumos; as vidas e os rios não esperam, correm sozinhos.