terça-feira, 30 de junho de 2009

Lula e Sarney : respeitem os cidadãos comuns!


Não entendi tanta comoção por conta de mais uma das declarações de Lula, como sempre bem ao ‘estilo Lula de ser’. O presidente foi sincero ao declarar que achava que Sarney não deveria ser tratado como um homem comum. Em respeito aos cidadãos comuns, sou obrigada a concordar com quem entende da matéria, já que na década de 1980, Lula rotulou Ribamar - o Sarney, de “grileiro do Maranhão” e ladrão. Isso mesmo, larápio. Quase trinta anos depois, ambos estão, digamos, numa categoria diferente.
No mais, quem não conhece alguém que se julga “melhor”, por causa um cargo público ou da situação sócio-econômica diferenciada ?
Atual vereadora de Maceió, a sempre destemperada Heloísa Helena, recentemente também foi vítima dessa mania de superioridade, atacando uma colega vereadora, aos gritos de “porca traidora”. Alguém consegue imaginar o escândalo, se a agredida fosse a insossa parlamentar?
Belém está “assim” de gente que pensa que pode tudo. O trânsito prova isso; a maioria se dá ‘mais direitos’ que o tal “cidadão comum”, coitado. “Se achar”, dar “carteirada”, não respeitar o próximo (e o não tão próximo), é cultural.
E Lula seria exceção, só por ter se tornado presidente? Evidente que não; mas como tal, deveria ser “politicamente correto”. Engana-se quem fica achando “isso e aquilo” quando falo no presidente. Lula não é um tema que me agrade, mas estou longe de ser uma “elitista” que não perdoa uma “pessoa simples que chegou ao poder” , como agressivamente me disse um leitor, esquecendo que, até prova em contrário, isso aqui é uma democracia, pelo menos por enquanto. Mancadas acontecem, o pior mesmo é a mentalidade torta, que uns podem ser “menos iguais” que outros, noção que infelizmente sobrevive e, ao que parece, do que depender de nós, ainda terá vida longa.
Não é a toa que me admiro ao encontrar certo deputado num supermercado do Marco, com lista na mão, empurrando carrinho, numa boa. É o mesmo que encontro no banco, esperando na fila exemplarmente, como os comuns. (E nessas ocasiões, ser ‘igual’, nos torna especiais.)
Deveria ser corriqueiro, mas não é; ser “parente de autoridade”, para a maioria, já é meio caminho andado para a arrogância, que sempre é burra. No quartel, dizem que quem pensa que manda mais que o General é a mulher do sargento.
Essas crises de “autoritarite” são habituais, desde a patroa que nem trabalha quando está menstruada, mas reclama se a empregada pede um mísero Atroveran. Ou o “playboyzinho” que enfia o pé no racha da Júlio Cezar e ameaça o policial com um batido “sabe quem é meu pai?”. A madame que estaciona em fila tripla na escola e a outra que leva um semestre para pagar a ‘continha’ da butique e quando é cobrada, acha um abuso! Acham-se acima dos outros, do bem e do mal, do moral, do lícito, e ainda querem tratamento diferenciado. Como Luis Inácio pretendeu para José Sarney, como os senadores exigem para si mesmos.
Antes que falem em Fernando Henrique, (não se pode falar no Lula sem que façam contraponto com FHC, que não tem nada a ver com a história...), não duvido que também ache que uns são ‘uns’ e outros... E daí? Se desejarmos uma realidade pouco menos caolha para nossos netos, precisamos repensar certos conceitos que acatamos pacificamente e repetimos, esquecidos de arejar as mentes que ajudamos a formar.
No quesito cidadania, ser “igual” não é ofensa e sim prerrogativa de quem é decente.
Quanto ao presidente, dessa vez acertou em cheio, apesar da gafe: pelo histórico, Sarney deveria ser tratado como infrator e não como cidadão comum!
Imagem: abril.com/veja.com

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Maria Qualquer Coisa

Vestida para lutar ela sai, ainda sem amanhecer. É guerreira.Quase escrava. É Maria, seja lá quem for.
Café requentado, um pedaço de pão dormido, vale escondido no sutiã.Não importa a cor ou quantos filhos deixou.
Carrega remorso, dor e preocupação.Mas é assim que tem que ser.Lá se vai a Maria, sob chuva de cobrir canela, calçaa enrolada, tamanco na mão.
E ela chacoalha na terceira condução, sem o sono que ainda tinha de dormir.Balança, segura a cabeça, Maria.
Na bolsa, além do trocado miúdo, um batom e um perfume barato.Um cigarro amassado e um retrato.
Balança, Maria.Passa as horas de pé, na mesma lida de todos os dias.
São mais de seis quando toma o banho para ir-se, de vez. O cheiro de rosas se perde, no mesmo ônibus modorrento que a devolve pela metade, naquilo que chama de casa.
Cabeça raspando o teto torto feito rede pensa, rangendo sob o peso d’água e da falta de condições.Mas a alma está refeita e Maria caminha mais meia hora assim, pernas doendo.Nos lábios, a velha canção.Ah, Maria...Ainda haveria de penar mais um bocado, entre tanque e baldes carregados.
Altas horas, seu homem que chega, cheirando a fumaça de cigarro de retalho e cachaça, como não? Nunca recebe cartas, apenas receitas e recados, pendurados numa geladeira que não é sua. O patrão quer pernil assado. A menina pede sempre macarrão. Também não existe dia especial, só certezas. Do trabalho pesado, das contas atrasadas, da fome adiada. Dos dentes perdidos, das pernas inchadas.Dos remédios que ficam só nas receitas. Cansaço ela esquece, e serve ao amado um prato requentado de pura afeição.
Maria, guerreira, rainha.Rebola, Maria, rebola, que vem mais um carnaval. E se banha, caneca na água fria do tambor enferrujado.Vaidosa, se perfuma, se enfeita. Passa nos lábios o toco do batom que cheira a parafina.
Diante do caco do espelho surge Maria, princesa sem tostão.E pede amor, de homem e de mulher. No gosto, no dorso. No lombo.Com cheiro de corpo e de gente.
Carnes quentes na esteira aberta no chão. Maria mãe de quatro filhos de alguns pais. Maria do tanque e do fogão. Do samba, do muro da igreja.Dos pés repletos de rachaduras, mapas da terra batida escaldante.
De muitos calos nas mãos, cabeça cheia de idéias.Maria da cor do pecado, do riso fácil e incompleto.
Do bolo de macaxeira, da banana frita. Do feijão apetitoso, dos “causos” interessantes.
Da novena incessante, (reza, reza, Maria!) Santa feiticeira.
É a Maria faceira. Que nada pede para ser feliz.
Não entende os mistérios da vida, e dela é senhora, é inteira. Sorria, sorria, amada Maria.
Que a gente vê e não enxerga. Sabe quem é, mas não conhece.E torce para ela chegar, logo que amanhece.
Dona da nossa paz, mão que alimenta e faz dormir.
Todo dia, todo dia é dia da Maria Qualquer Coisa.

Postado por Vera Cascaes às 21:40 1 comentários
Aldinair disse...
Descobri voce no Magazine,do Jornal Liberal,gosto dos seus textos,esse em especial, pois fala de todas as Marias de uma maneira linda e suave.Abraços.
28 de Maio de 2008 11:10

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Imagem: Lavadeira. Pintura bitmap de João Werner

Juntos!


Casais mais velhos me fazem pensar no que há de diferente nessa geração que permaneceu casada.Não foram pessoas desconectadas do mundo, que viveram numa bolha mofada.
Pelo contrário.Todos viajaram muito, souberam criar filhos e tentaram, com algum êxito, manter as famílias unidas...Até que a minha geração iniciou o casa-separa, enfim.
Que segredo seria esse, que mantém pessoas diferentes carinhosamente unidas apesar de tudo?A crônica de Stephen Kanitz, numa antiga “Veja”*, sobre esses relacionamentos que atravessam tempestades e saem fortificados para comemorar mais um ano, acendeu minha curiosidade.
Penso que o primeiro equívoco é achar que todos “escolheram a pessoa certa”. Isso não existe.Da mesma forma,é fantasioso crer que almas gêmeas nascem com a terrível missão de se encontrar nesse mundo de meu Deus.
Será que nenhum desses casais esteve a beira de um divórcio? É certo que sim, crises acontecem.Tentações também. Alguns podem ter cometido uma infidelidade aqui, uma transgressão acolá.
Ao que tudo indica, essa geração que hoje vive os oitenta, pouco mais pouco menos, soube preservar algo muito mais importante: lealdade.
Será que depois de casados,não apareceu ninguém melhor, mais bonito, interessante, rico, engraçado, menos carrancudo, mais fogoso, menos rígido, “mais...mais”?
Claro que sim, isso acontece todos os dias. Mas também havia lealdade aos compromissos pessoais, às escolhas feitas, apesar da vizinha gostosa e ninfomaníaca, do dentista sedutor e gabola, da amiga sacana, da falência do negócio, do filho drogado.
Penso que questionavam menos a relação e usavam esse tempo precioso para vencer a/na vida. Sim, a instabilidade dos relacionamentos é, sem dúvida, grande causa de prejuízos pessoais. E isso é muito mais do que dividir DVDs, arcar com a pensão dos moleques e comprar uma nova cama de casal.
Bem, e o que aconteceu com os netos desses casamentos longevos? Não sei, com franqueza.
A maioria já contabiliza tentativas e insucessos, ainda que com o mesmo parceiro.Esqueceram-se os pais de passar a fórmula adiante? Talvez.
Não sei se é culpa dos hormônios do frango, do efeito estufa, da falta de ensinamentos sobre como viver junto tanto tempo ou do esquecimento das coisas de Deus.
Esse segredo não nos foi dado a honra dividir, ou simplesmente não o reconhecemos esse tempo todo, bem ali, escancarado para quem quisesse, tão somente, ver.
Talvez estivesse tão evidente que tenha nos enganado, fazendo-nos até pensar “credo, não sei com ainda estão juntos. Eu? Já teria separado!”
Claro, para nossos sentidos desatentos, aquelas eram razões de cisma, de desunião; nunca a explicação para tanto tempo de parceria. E separar, ainda que muito doloroso, será sempre mais fácil do que permanecer junto. Cultivar a paciência e a tolerância, saber tornar uma relação antiga algo novo, todos os dias.
Manter aquele olhar carinhoso, apesar das rugas. Enternecer-se com elas. Amparar-se um ao outro em todas as subidas e descidas, lado a lado.
Perdoar-se mutuamente e a si mesmos por esmorecer algumas vezes.E calar.
Calar frequentemente, felicidade exige, também, que não sejamos totalmente francos. Não, não eram almas gêmeas, duas metades de qualquer coisa que se encontraram.
Apenas pessoas que decidiram que aquele amor, pequeno e frágil como todos os amores começam, esse seria para sempre, sim. Não só por causa das leis da igreja, dos homens ou da sociedade na empresa, que vai bem, obrigada, mas também porque foi assim que sonharam e vão zelar para que seja, apesar de exigir uma dose cavalar de paciência, tolerância, renúncia e, acima de tudo, inteligência.(*edição 1873 de 29 de setembro de 2004, página 22)imagem:http://www.jblog.com.br/vital.php?blogid=51&archive=2007-07
Postado por Vera Cascaes às 16:05 1 comentários
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ma oração desesperada


São três e meia da madrugada. A segunda-feira já chegou e me encontrou insone, coração angustiado. Devo-lhes um pedido de desculpas por esse texto tão ruim, essa promessa de sorrisos que não sei onde encontrar; hoje não.Não há graça nesse restinho de noite arrastada, no galo sem relógio do quintal ao lado; não consigo escrever, nenhum assunto me anima, sequer tenho vontade de retocar uma página parida num momento de alegria.Meu pensamento voa e se aninha na aura de Isabela. Ela me cala, me deixa sem fala e sem pauta. Isabela é cada criança que vemos passar, cada sorriso que espreitamos nessas rotinas que nos consomem; um menino que corre entre as cadeiras, a menina desdentada e faceira, contando sua última arte. Quem consegue esquecê-la, mesmo quando se quer brindar mais um bom dia? Quem não pede a Deus que se descubra um louco; ou dois, qualquer um que não seja o pai ou a tia Carol?Todas as coisas dessa nossa vidinha sem importância assumem a verdadeira dimensão - valem pouco, quase nada. Descobrimos que perdemos muito tempo com banalidades e mesquinharias e não enxergamos outros dramas que se desenrolam ao lado, sem TV, sem impacto.Nossas pequenas invejas e vinganças, implicâncias mal disfarçadas e perseguições – é o colega que incomoda nem sei bem a razão, o amigo que está mais feliz que o suportável, aquela que ‘se acha’...Ou os filhos da ex, que insistem em acompanhar (e atrapalhar) nossos finais de semana.Quantas vezes nos deixamos dominar pelo ciúme que envenena e descontamos nos pequenos que sobraram das uniões desfeitas ? Ah, não me diga que nunca viu algo assim.O mais aterrador é que essa família poderia estar na porta em frente. Ou no quarto ao lado. Poderia ser eu, ou você.Isabela pode ser a encarnação desses filhos de casamentos mal acabados, da paternidade vivida como obrigação - ou vingança - com hora marcada. Vítimas do desamor, do ciúme descabido, do desentendimento e, principalmente, da distância das coisas de Deus e da família.Crianças que a gente até finge que não existem, agredidas por gestos e palavras; ah, a palavra, essa arma tão perigosa...Sempre acreditei que é na separação que o casal precisa se entender, realmente. Alguém disse que certos divórcios são civilizados demais. Não, nunca é demais entendimento, conversa, respeito sincero que estabeleça uma aliança que há de cercar os filhos, esses de quem nunca nos divorciamos- apesar da distância e das novas famílias que se formam.Estar com alguém que já tem filhos exige uma dose enorme de compreensão, tolerância, desapego e muito amor. Isso não é para qualquer um.Não tenha filhos com quem não sabe amar os que você já tem. Não os leve para perto de quem não quer abrir o coração para que todos convivam em paz. Não existe a menor possibilidade de harmonia.Eu, que achava já ter vivido e visto o bastante, quedo-me, sem entendimento e sem respostas.O tempo nos fará esquecer Isabela; nossas crianças, essas, permanecerão. Que Deus as proteja de nossa imperfeição.Livra-nos, Meu Deus, dessa fúria insana, desse desamor que nos transforma em seres sem par. Não nos permite perder a capacidade de chorar, de temer, de amar, de perdoar. De respeitar e calar antes de proferir a agressão.Dá-nos um momento de lucidez quando tudo perder o sentido e o mal nos privar da razão.Enche nossos olhos de lágrimas e faz-nos tremer as pernas diante do terror, que não tenhamos frieza para mais um passo. (veracascaes@gmail.com)
Postado por Vera Cascaes às 14:46
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2 comentários:
PD disse...
Tudo triste demais, não é?
1 de Maio de 2008 17:53
Tatiana Brandão disse...
Amiga deixei um meme para vc no meu bloger olhe lá http://baboseirascom.blogspot.com/

Isso são modos?


Gente, perguntar não ofende. Principalmente quando dá para fazê-lo assim, sem ser cara a cara: onde foi parar a boa educação do nosso jet-set?Alguns acontecimentos me fazem voltar ao Marajó da minha infância, e ficar “matutando”.Recentemente, num casamento, fiquei “passada e engomada” com a falta de modos dos convidados. A noiva passou apenas quinze minutos, em fotos familiares no altar e, pasmem queridos, ao virar-se para sair, encontrou a Igreja de Santo Alexandre semideserta. Seus convidados, pessoas especiais com certeza, deviam estar esfomeados, só pode ser essa a razão, e partiram, disputando um rally pela cidade, rumo ao bufê...onde dezenas de casais já estavam acomodados. Que feio!Tem gente que nem vai mais à igreja, segue direto para a recepção. Pode, Freud?A impontualidade virou regra. Coisa de gente despreparada, mesmo!
Uma outra noiva passou quarenta minutos dentro do carro...esperando a chegada de padrinhos...que não mereciam ter recebido convite tão especial, se não têm competência para chegar dez minutos antes...Existe uma feijoada filantrópica que costumo freqüentar. É uma ocasião para rever amigas, colaborar com necessitados, mas... Senhoras da mais alta estirpe se acotovelam num espetáculo dantesco (dantesco é ótimo, né?) disputando um pedaço de chouriço ou uma fatia de torta...Patético!É um grande bolo de senhoras quase se estapeando, um amontoado de traseiros bem cevados, transformando um almocinho solidário num rega-bofe de última.E juro por Deus, é um programinha de dez reais e tem madame que manda o motora ir buscar sua “dose”, numa quentinha, já que não pôde ir.O que aconteceu com as pessoas finas, caíram pelo ralo?Numa festa de quinze anos, jovens detonaram a mesa dos doces na entrada. Como se o gesto de grosseria justificasse, senhoras portando elegantes e carésimos vestidos, passaram a mão em pratos de jantar e, (perdoai-as, Senhor!), encheram cada qual o seu e levaram 'suas marmitas' até as mesas, para serem degustadas após o jantar...que ainda nem havia sido servido.As boas maneiras foram para o espaço, junto com a nossa elegância. De que adianta uma roupa cara demais para pouco preparo?Senhoras falam com talheres à mão, numa exibição de esgrima.Nos embarques vejo, hor-ro-ri-za-da, pessoas apressando o passo para driblar uma jovem mãe com bebê, e tal da baby-bag nas mãos...Por outro lado, fomos ficando acostumadas a falta de glamour...Eu, meu bem, sou do tempo em que homens levantavam cada vez que nós, mulheres, deixavámos a mesa. Eles abriam a porta do carro, verificavam se nossas saias estavam acomodadas, fechavam com de-li-ca-de-za e aí sim, davam a volta.Desciam escadas sempre a nossa frente e andavam pelo lado de fora das calçadas.Homens que ainda nos davam livros - bons - de presente. E um brilhantinho que a gente também gosta, claro.Que nos convidavam a dançar. Ao final, agradeciam a gentileza e nos acompanhavam de volta a mesa. Hoje é um gesto de cabeça, tipo “topa?” e zero emoção.Quando nos buscavam em casa, não ficavam buzinando. Desciam, cumprimentavam os presentes e nos acompanhavam...Bons tempos.Nessa época se comia de boca fechada e ninguém seria capaz de indagar sobre sua vida sexual durante um jantar...principalmente sendo um amigo.Educação é artigo original de fábrica. Mas pode ser acessório adquirido por quem não teve, digamos, berço.Parabenizar pessoas em datas especiais, ser pontual, gentil, não falar alto nem beber demais, dar assento a uma pessoa mais velha, facilitar o acesso de grávidas e crianças, tudo isso é tão básico que nunca imaginei que seria artigo raro.Mas os espetáculos a que somos submetidos nos fazem imaginar se os inadequados seremos nós...Isso não é frescura não, querida. Isso são bons modos!veracascaes@gmail.com
Postado por Vera Cascaes às 22:36 1 comentários

A Rosa Inglesa


Trinta e um de agosto de 97.
Nem parece que faz tanto tempo assim, mas lembro da tristeza daquela noite.Fãs de Rodolfo Valentino e Elvis devem ter sofrido assim, também.Se você não teve ídolo, que pena. Eu tive!Desde o primeiro dia em que a vi, uma criança ao colo e a saia translúcida; simpatizei com aquele olhar. Olhos tristes, pedindo afago.Quando ela casou, em 81, faltei à aula na USP, tranquei-me, enroscada no sofá, curtindo o frio de julho, olhos colados na TV em preto-e-branco que me fazia sonhar colorido.Era estudante, a espera de um conto de fadas. Eu e quase todas as jovens daqueles loucos anos 80, cuja melhor imagem foi dela.Rebelde nos elegantes cabelos curtinhos, quando o que se esperava cachos dourados. Mas não ela! Diana era a nossa Barbie, em carne e osso, linda, loura, alta, magra, simpática e triste...Exatamente como a gente imaginava que seria uma princesa.No fundo, todas nós sofremos, quando ela deu sinais que o castelo não era tão encantador, assim.Compreendemos quando passou a buscar um amor, ou melhor, quem a amasse. Como havia sonhado, quando era a menina que conheceu o sisudo pretendente da irmã mais velha. A vida tem dessas coisas, até com altezas. Poderia ter sido diferente, se o príncipe de trinta anos não tivesse se encantado pela alegria, jovialidade e graça da lourinha de dezessete. Os mesmos motivos que o afastaram dela, já sua esposa. Ah, homens são assim, mesmo majestades.
E alegria não cai bem em alguns casamentos, fazer o quê?
Não havia revista onde eu não a procurasse.Copiei cabelos e modelos, achava o máximo que o planeta tivesse um conto de fadas, uma princesa, com alma, faces, porte e atitude de princesa. Quanta tristeza havia naquele semblante, quantos desamores, quanta vontade de encontrar a pedra filosofal que transformasse qualquer pequena coisa do seu dia , no ouro que é ter um amor grande e correspondido...No meio do sono que vinha, mas não vinha, acordei com a vinheta de edição extraordinária.Passei algum tempo paralisada.Não poderia ser verdade.Ela era bonita demais, boa demais, solidária demais, triste demais, princesa demais, para ter morrido. Pessoas assim não morrem, pensei.E pela primeira vez eu tive medo da morte, pois vive cometendo enganos. Sufoquei o rosto num travesseiro e chorei .Tive vergonha daquela tristeza, que bobagem derramar lágrimas por uma desconhecida que jamais, em tempo algum, eu poderia conhecer...Não precisei disfarçar da minha filha, os olhos inchados. Desde aquele primeiro de maio de 94, ela sabia o que é perder um ídolo. Da mesma forma que eu a confortei, sem saber o que dizer da partida de Ayrton Senna, ela apenas me abraçou, batendo de leve as mãozinhas nas minhas costas. E então, orei por ela, pela nossa princesa.Tantos anos depois sei que chorei por ter descoberto que fadas e princesas não existem mais.E que sonhos são assim, miragens que o vento apaga, como uma chama.Na gaveta, num recorte de revista, Ela resplandece, o sorriso alvo, naquele espetacular vestido de veludo azul.Não me importa que você ache bobagem, todo mundo guarda a mais linda boneca e o melhor dos sonhos para sempre. (veracascaes@gmail.com)
Postado por Vera Cascaes às 01:22 1 comentários

Com Johny Rivers, Victor e Leo

O dia dos namorados finalmente havia passado. Não que ela ligasse, aliás, todo mundo sabia que não dava a mínima para essas datas comerciais, criadas por um espertinho qualquer, com a única finalidade de aquecer as vendas do comércio decadente.Ou quem sabe, esse espertinho fosse uma tarado cruel, que sabia exatamente como fazer com que uma mulher maravilhosa, descolada, antenada e cheirosa se sentisse...ultrapassada, sozinha, esquecida, azeda.Não, ela não iria entregar os pontos só porque não entendia como alguém com esse currículo todo, estivesse sozinha, nessa e em todas as outras datas comerciais, que diacho!Humm...Nunca havia notado que “Do you wanna dance’ tinha uma letrinha tão simples. Como quase tudo naquela época em que ela ainda fazia ‘doce’ para ficar com algum bonitão no salão da AP, que ainda tinha aquele clima de coisa fina, sem esse monte de camelôs na calçada; ah, decididamente, naquele tempo ela era mais bem humorada.Johny Rivers dizia tudo que ela queria ouvir em poucas linhas, mas o coração também apertava quando o James Blunt uivava na novela das nove, o mesmo drama de quem quer, muito, um amor qualquer.Como num origami, o seu príncipe (aquele da barba macia, lábios grossos e olhos pidões) havia permanecido numa dimensão qualquer, ali pelos trinta e sete anos...para sempre. E ela continuava procurando e só o que encontrava era um tempo perdido, que não lhe pertencia. Não era ontem, não seria amanhã; era apenas um momento, era tudo e nada mais.Imagina, se ela, a descolada, ia querer cueca na gaveta, escova de dentes no armário? Isso é coisa de mulherzinha. Só uma louca poderia sonhar com essas bobagens de dormir de conchinha, de passar as mãos nas costas do amado até adormecer ou vê-lo adormecido, que meigo.Quanta pieguice, credo!As mulheres estavam se tornando tão, tão, tão...Imagina -repetia- correr para depilação, manicure, banho de lua; fazer escova e estrear lingerie de griffe, só para agradar um marmanjo num dia como outro qualquer...?Já nem sabia desde quando não comemorava essas coisas na data certa...Homens casados têm muita imaginação, geralmente comemoram ‘antes’, claro, só para garantir que suas ‘outras’ estejam saciadas, vestindo um velho moletom macio, vendo TV e comendo pipoca, sem ligar a cada meia hora para o celular...enquanto eles jantam com as esposas felizes.Ora, e ela com isso? Não estava tudo bem? Claro que sim.Era apenas uma questão de tempo. (Perdido, talvez.)E quanta cafonice, Jesus! (Será que alguém ainda fala assim?) Na verdade, paixão era uma das coisas mais bregas que ela conhecia. Pessoas em estado amoroso ficam assim, ridículas, com aquele sorriso ridículo, ouvindo músicas ridículas.Ela nem sabia quando havia comprado aquele CD, Victor e Leo; se o pessoal do escritório a ouvisse cantando “...eu sou o teu segredo mais oculto... teu desejo mais profundo...tua fome de prazer...”, diriam logo que ela estava apaixonada.“Sou teu luar em plena luz do dia...”, ah, até que não era tão ruim...Em que dobra do tempo ele andaria agora, realizando coisas e experimentando tudo que ela já sabia de cor...?Ah, fazer um jantarzinho, deitar no futton, que amantes adoram amar num futton...Tomar cafés de todos os sabores naquelas xícaras enormes e cheias de personalidade, ouvir a Amy Whinehouse antes que ela acabe e cometer essas pequenas e deliciosas breguices do amor...Bastava encontrar aquele menino barroco, eternamente em guerra entre o sagrado e o profano...Longe dela e daquelas datas comerciais.Entre um gole e outro de vinho velho, ela cantarolava com os meninos mineiros e Johny Rivers, num quarteto pra lá de improvável: 'Do you wanna...' 'sou eu em você...'
Postado por Vera Cascaes às 00:12 1 comentários

Meu saudoso pai

Semana passada fez seis anos que ele partiu e até hoje o sinto perto de mim. Fui até o cemitério trocar as flores e percebi que para mim, parecia ter sido outro dia que sofremos tanto naquela despedida. Não importa o quanto esteja doente, o quanto já tenha vivido e se o sofrimento nos leve a aceitar a morte como uma libertação; despedir-se irremediavelmente de alguém que se ama é uma dor enorme, que permanecerá feito cicatriz. Até hoje tenho ímpetos de telefonar-lhe quando algo de bom me acontece ou adoeço; quando preciso decidir alguma e estou insegura. Meu pai nem sempre concordava com minhas escolhas, mas me deixava a certeza de que, sob qualquer circunstância, poderia contar com o colo amigo e acima de tudo, cúmplice. Aos longo dos anos já escrevi sobre minha família inteira, incluindo meu cães e gatas, mas do meu pai apenas falei da enorme saudade. Era um ferimento que não queria expor. Hoje me pego lembrando de um velho Cascaes diferente, que só mamãe, eu, Márcia, Beth, Tavinho e nossa pequena família conhecíamos. Que era caxias, enérgico, forte, vaidoso e madrugador, todos sabiam. Mas havia um outro Octavio que nos divertia, sempre engraçado, inventando canções cabeludas (para desespero da minha mãe) e nos fazendo rir o tempo todo, soprando o ar entre os lábios frouxos quando queria demonstrar enfado. Mas ele só conseguia soltar-se assim em casa ou com a turma que se reunia anos a fio na garagem do Luciano Moraes, para o jogo de buraco regado à gargalhas, com o Raimundo Libório, Héber Monção e Mário Teixeira. A gente sabia que era ali que ele reabastecia suas energias e suportava a pressão para mais uma jornada. Meu pai era um trabalhador, um homem cuja maior vaidade era o nome que carregava, naquele porte de galã que sempre teve. Apesar de cara de mau, com as duas filhas sempre se derretia. Certa vez, quando era eu a jovem apresentadora da TV liberal, deveria apresentar o Concurso de Rainha das Piscinas ao lado do Chico César, pois naquela época, éramos o ‘casal telejornal’. A atração seria ‘ninguém mais nem menos’ que o Roberto Carlos, no salão recém inaugurado do Pará Clube. É..., faz muito tempo. Fato é que de tardinha cismei de ficar loura e claro, deu tudo errado. Saí do salão parecendo uma samambaia, com as mechas esverdeadas por conta de uma rinsagem ‘cèndre’, que eu não tinha a menor idéia que cor era. Ao chegar aos berros para lavar a cabeça (todas as vezes que tentava fazer cabelo ou maquiagem fora, lavava e fazia eu mesma, tudo de novo!) vi papai desesperado, me lembrando do mega compromisso. Aos prantos, engasgando, respondi que não iria mais ‘com aquele cabelo’. Bom dizer que papai nunca foi afeito a essas ‘coisas de mulher’, não fazia idéia do que tinha ocorrido, mas saiu, em bermudas, e voltou da farmácia com um xampu tonalizante negro (!) dizendo “Toma, filha, vê se dá para remediar!”. Claro que daria, tinha que dar! Casa lotada, quando anunciamos “ E com vocês...Roberrrto Carlos”, eu sabia que não estava numa das minhas melhores noites, o cabelo muito escuro sombreava as olheiras e estava seco feito palha. Mas tinha certeza que em casa, meu maior fã estava torcendo por mim, cigarrinho entre os dedos, anotando as falhas para depois me alertar. Esse, era o doce Tatá. Desde os tempos de colégio minha habilidade com o microfone era valorizada por conta do vozeirão, afinal, herdei os dons do astro da rádio novela Ressurreição, um enorme sucesso na época; e décadas depois ainda tinha quem lembrasse disso em plena rua. Durante meus anos de TV, me dizia o que devia ser melhorado, às vezes fazia gozação...“É, ‘fela’ (um termo só nosso) hoje tu nem gaguejaste!’ e minha mãe acudia, “Ora deixa a menina!”. Fiquei esses dias meio que revivendo nossas boas e velhas histórias. O coração apertou, não de tristeza, mas de saudade. Os olhos marejaram e eu, mais uma vez, agradeci a Deus ter sido tão feliz com a minha família.

Síndrome da agenda vazia

De uns tempos para cá, alguns assuntos que eram poucos discutidos ocuparam espaço na mídia. Nunca se escreveu tanto sobre o ‘ninho vazio’, aquele excesso de tempo e espaço que nos acomete quando os filhos já alçaram vôo.
Um tema, entretanto, permanece guardado a sete ou oito chaves: desemprego. Sim, a falta de ocupação, alheia a sua vontade de acordar e ir trabalhar todo santo dia.
Não, não se trata de aposentadoria, que é recebida por mulheres como conquista e por homens praticamente como sentença. É pior que isso.
De-sem-pre-go, esse palavrão que os ‘não concursados’ temem ouvir ou pronunciar.
A sensação de quem perde o trabalho é justamente essa, de ter sido dispensado, de não prestar pra nada, de não fazer a menor falta.
Mesmo que a defenestração ocorra por conta da crise e leve junto vinte por cento da empresa, ou ainda que ocorra naquela fatídica mudança de administração de governo, quando partidos se revezam e revezam também, a empregabilidade, ainda assim, ficar sem ‘nada’ de uma hora pra outra é, simplesmente, terrível.
Eu sei muito bem disso.
Quando a gente faz parte de uma assessoria vinculada a determinado partido, não se perde de vista a possibilidade das ‘coisas’ mudarem e, por conta disso, acabarmos tomando o ‘caminho da roça’. Por mais técnica que seja sua ocupação, por mais correta que tenha sido sua atuação, esqueça, isso é coisa que não interessa ao novo governo. E é até bastante compreensível, não é? Cada qual no seu quadrado, com os seus.
O problema é que falta ‘savoir-faire’ nessas ocasiões. As pessoas perguntam ‘na lata’ onde é ‘que você está’, como se essa situação não fosse aguardada por todos. E nada que você esteja fazendo depois disso parecerá ‘melhor’ que o trabalho perdido, nem que você esteja ganhando o dobro. Aos olhos dos ‘outros’, vai levar um tempo para que você seja novamente, uma pessoa bem sucedida. Talvez seja por isso que tantos dizem estar ‘dando um tempo’, cuidando dos negócios da família ou se dedicando a um novo projeto pessoal.
É a fase da negação.
Aliás, dar essa ‘boa nova’ (ui) em primeira mão aos ‘dispensados’ é fonte de enorme prazer para os sádicos de plantão que existem em toda repartição. Por outro lado, isso o livra da chatice de ler o Diário Oficial, pode crer que você ficará sabendo rapidinho. Já se fosse promovida...
Lembro bem de um certo Natal, há três anos. No meio das compras para a ceia, meu celular tocou. E depois da notícia fiquei ali, com um peru descongelando no carrinho, rodando pelos corredores em pleno dia 23 de dezembro, pensando como seria minha (sobre) vida depois daquela canetada. Admirei-me com minha comoção, pois eu sempre soube que seria assim.
Fato é que de uma hora pra outra você se sente mais mortal e por isso mesmo, mais perto de Deus.
Os conhecidos se dividirão, alguns não tocam no assunto, do mesmo jeito quando se tem uma doença incurável, ninguém fala nisso. Ou seja, poucos tentaram ajudá-lo. Outros, principalmente ex-colegas, procuram saber de você, mas não se está bem, com saúde e feliz. Não, isso não importa, Eles querem é saber se você ‘arranjou’ um novo emprego.
Sabe, nunca vi uma frase chula tão cheia de razão, mas a verdade é que a inveja é uma merda. E uma das coisas que você se livra é dos invejosos corrosivos, amém.
Como todo mundo que já foi colocado no ‘olho da rua’, cumpri minha quarentena. Passei por uma fase de negação (imagina só se uma profissional como eu vai ser mandada embora), passei pela aceitação até que o tempo me fez ver algo que poucos conseguem visualizar: a liberdade.
Essa paz que aos poucos vai se acomodando e que lá pelas tantas nos leva até a duvidar como éramos capazes de trabalhar tanto... O tempo cura as feridas e mágoas, nos faz ver que quem perdeu mais não fomos nós e que a chance de mudar é uma dádiva, como dizem os orientais, é na crise que se cresce; espiritualmente, inclusive.
Outro dia encontrei uma ex-colega, que me fez companhia no Diário Oficial, no mesmo supermercado onde estava naquele Natal. Tomamos café, batemos um longo papo e chegamos à conclusão que estamos muito melhor do que há três anos. Estamos, finalmente, prontas para olhar em muitas direções.