quinta-feira, 4 de março de 2010

As Bodas


Quando completaram 29 anos de casados ela se deu conta que a vida íntima estava uma pasmaceira. Já tinham passado pelas Bodas de Prata e chegavam às Bodas de... Erva? Pensando bem, nada mais apropriado. Em se tratando do Juca, a vida se dividia entre uma “larica” constante e aquela modorra, com cara de quem não tem muito a dizer, quanto mais fazer.
-Erva... Não tinham outra coisa para inventar? Que tal... Bodas de Chuchu? Ela perguntava enquanto vestia algumas roupas que achava mais sensuais...
-Fala sério, Marly; tailleur não fica sexy nem na Beyoncè, advertiu Amanda, sua velha amiga, namoradeira convicta e sempre disposta a dar um “up”na vida alheia.
-Heim?
-Bom, na Beyoncè até o uniforme do papão fica sexy, mas deixa pra lá... Vamos até um sexy- shop?
-Você enlouqueceu de vez. O que o Juca vai dizer? E se a gente encontra alguém? E se o atendente for um... um... homem! Nem pensar!
-Mas ele devia saber que você tem vontade de experimentar coisas novas, Marly! Porque você não insinua...
-Amanda, a última vez que experimentei algo novo, você me deixou ruiva. Esquece!
O caso é que achavam que maridos em geral não se animam com os modelitos das esposas da porta do quarto pra fora. Já da porta pra dentro... “Então, mulher... Você precisa modernizar a lingerie. Ousar, entendeu?
Três meses da aposentadoria da professora Marly viraram algumas calcinhas estampadas de oncinha, lurex, renda vermelha e tule preto, que mal enchiam duas sacolas. Mas com um daqueles sutians carésimos, que prometiam unir e levantar muito mais que o astral, ela seria capaz de ficar pendurada até no trapézio do Moulin Rouge - te cuida, Nicole Kidman... Mas na clínica de depilação, ela até pensou em desistir das novidades e voltar a acompanhar Lost, 24h, Grey’s Anatomy e todos os enlatados que passam entre dez e meia noite, o horário da “sessão dilema”: “ Vai “rolar” ou não? Será que eu quero mesmo? Melhor dormir...”
Na sala de espera, muitas jovens e outras nem tanto e (Santo Deus!), um homem barbudo com cara de delegado. A atendente, mascando chiclete com um bloquinho na mão, perguntou sem reservas: “Vai fazer o quê?”
Marly queria se enterrar, sumir dali.
- “O quê”, como?
-Depilar, minha senhora. Que local a senhora vai depilar?
-Local? Porque você quer saber? Ela respondia quase sussurrando.
-A depiladora precisa saber se a cera vai dar...
-Ah, vai dar, é pequena... Quer dizer, é pouco... Olha, eu decido lá, tá? Ela estava se contorcendo, imaginando se o delegado estava ouvindo essa conversa...
Uma hora depois, a caminho do salão, tentou lembrar se o parto das gêmeas tinha doído tanto. “O Juca que me aguarde!”
Jantarzinho caprichado, camarão na segunda-feira... Essa santa quer reza, pensou o Juca, morto de cansado e de vontade de se jogar no sofá, para dormir antes que terminasse a Tela Quente. Mas sabia que “a comadre” queria namorar; mulher é assim, se não tem namoro, não vale. Só falta querer ir ao cinema e jantar no Roxy “antes”, como nos primeiros tempos. Bons tempos, arrematou.
Fato é que o Juca não só esqueceu o aniversário de casamento como não deu a menor bola para o conjuntinho de oncinha. O camarão estava ótimo, mas a escova passou batida. E a depilação... Desde quando ela usava “aquilo”? Suspeito, muito suspeito... Pensando bem, D. Marly andava estranha, cheia de conversas no celular e aquela Amanda não era boa influência.
Emburrada, a professora tentou assistir ao Jornal da Globo; com sorte, dormiria antes do Jô. Na Tela, Tiger Woods se desculpava, revelando ter feito tratamento numa clínica para viciados em sexo; que desperdício, pensou.
-Se eu pudesse, cobriria esses americanos de...
-O quê, Marly?
-Nada não, Juca. (...) Bodas de Erva ...Tinha que ser.

Ilustração feita para livro "A voz da floresta" (Alina Perlman-DCL)
Veja em birysarkis.zip.net/arch2008-03-30_2008-04-05.html

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