Dia de quê, mesmo?
Pois é, você está cansada de saber que esse não é um tema que me agrade, mas a data exige atenção. E aí, o que aconteceu de importante, no “seu” Dia Internacional da Mulher? Aprovaram lei importantíssima no Senado? Não haverá diferença de salários entre homens e mulheres? Ganhou aquela rosa solitária que dá trabalho para achar um vaso condigno e acaba murchando num copo qualquer - que chatice? Respondeu àquele monte de mensagens açucaradas, lembrando que Maria, Irmã Dulce, Ana Nery, e Madre Tereza foram mais arrojadas que você e todas as amigas juntas?
Encheu a paciência do maridão para ganhar mais uma bolsa? Ah, tá. (Que coisa, não?)
Ontem, ao ver o Faustão lembrando os feitos dessas mulheres, não pude deixar de estranhar o tom de admiração, como se enumerasse proezas de um chimpanzé fêmea, capaz de feitos corriqueiros aos homens. Viva, ela amarrou o cadarço! E uma mulher foi quem descobriu os elementos rádio e polônio, uau! Uma m-u-l-h-e-r, senhores!
É isso que eles têm a dizer para lembrar a data? Que pobreza!
Não estou de má vontade ou mau humor, mas não é normal que homens e mulheres tenham, em comum, a capacidade de grandes proezas ou asneiras? Afinal, somos humanos, passíveis de feitos exemplares, para o bem ou para o mal. A questão da mulher é outra!
Não consigo aceitar essas coisas por conta de uma data que parece aliviar, pelo menos um pouco, a consciência dos que não ligam (não verdadeiramente) para nossas aflições e tampouco nos respeitam. Não vejo nada que se aproveite (nem o cardápio!) nessas festinhas em repartições, onde ninguém move uma palha para que existam creches; afinal, homens raramente ficam em casa com os filhotes.
Nas Assembléias e Câmaras, mais perda de tempo e recursos naquelas sessões especiais que não têm nenhum valor e não servem para nada a não ser fazer média com a tal comunidade além de gastar energia e ocupar o cerimonial. Não? Procure saber quantos parlamentares permanecem nesses eventos, cujos promotores justificam ser de aproximação, discussão ou comemoração de temas relevantes para a comunidade, essa inocente útil. Fala sério, por favor.
Mulheres não precisam dessas hipocrisias e sim de políticas públicas sérias, na prevenção e tratamento do câncer de mama e colo uterino; mas o que se vê é o Hospital Ophyr Loyola sempre no limbo, as doentes sem exames e sem medicamentos, tudo muito diferente do que a propaganda chapa-branca mostra. Não é verdade? Então vá lá, minha cara. Faça como o chato do Bial: espie!
Mulheres precisavam fazer valer a lei da creche, mas alguém exige? E no resto do ano, quem trata dessas questões? Quem nos diz quais os nossos direitos?
Mulheres precisam ter acesso a um planejamento familiar sério e livre dessas reflexões hipócritas, que levam tantas às aborteiras – o único apoio que conseguem quando seus homens, inclusive aqueles que as representam, estão mais interessados na copa do mundo, no traseiro da vizinha ou na gazeta autorizada.
Procurei saber sobre O Dia Internacional dos Homens. Segundo a Wikipédia, foi criado pelo autor George Kindel em 1999, e comemorado pela primeira vez em 19 de novembro de 2000 com apoio da UNESCO, com o objetivo de, entre outros, melhorar as relações do gênero; então tá. Outros, menos votados, dizem que a data certa é 15 de julho. Como não faz diferença, escolha uma, compre uma flor qualquer e entregue ao seu amor, prometendo entendê-lo melhor. Não esqueça o presente à altura daquele que exigiu. Estarão quites. No mais, é pura encenação, mesmo.
domingo, 7 de março de 2010
Dia de quê, mesmo?
Postado por Vera Cascaes às 18:22 0 comentários
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Liberdade e solidão
Era um dia quente, abafado como os últimos; mas já faz uns bons anos. Estava atrasada e resolvi almoçar num desses restaurantes orientais, com muita fritura e a certeza de sair cheirando a bife. Mas não havia outra opção, era isso ou perder parte da tarde.
Ela entrou, passos miúdos e semblante conhecido. Meu alarme soou. Quem era? Tenho essa dificuldade de conectar o nome à pessoa e pavor que me perguntem a queima roupa: ”Lembra de mim?”
-“Ôla?”, ela me cumprimentou assim, com esse “olá” anasalado, sem tradução específica, muito usado por quem quer personalizar a saudação. “Posso?”, perguntou já amesendada, como diria o Denis Cavalcanti.
-Claro, respondi sem ter outra opção, preocupada com o tempo que passava célere.
De supetão, perguntou como estava a Maria do Carmo, e se a Márcia ainda morava no sul. Percebi que conhecia a família, o que agravava meu esquecimento. “Adoro tuas crônicas.”, arrematou, mudando o rumo da prosa.
E se eu perguntasse pela família e ela fosse uma dessas pessoas que, sei lá como, não tem mais ninguém? Premida pela necessidade de entabular uma conversa qualquer, minha companheira de refeição falou sobre a viuvez e como a antiga casa (“Enorme, lembras?”.Claro que sim, menti.) havia se transformado num mausoléu, solitária e dispendiosa, pois os filhos, ah, esses não se encantam com casas dos pais.
Disse-me da solidão familiar, que havia piorado com a morte da Duquesa, a cadela de estimação. Até que decidiu vender tudo –tudo, mesmo – e mudar-se para um apartamento de três suítes transformado para dois quartos e poucos, pouquíssimos móveis. O carro ainda era o do falecido – que ela haveria de usar até que não mais dirigisse, pois essa era mais uma descoberta: carros são apenas um meio de locomoção.
Já havia esquecido compromissos, interessada nessa história de vida. A “senhora” não parecia ter mais vinte anos que eu, mas havia um abismo entre nós; como se morasse numa aldeia inatingível.
Tomei coragem e perguntei da solidão. Ela suspirou, como se ar doesse ao invadir-lhe os pulmões. E respondeu com um incompreensível “Depende.” De quem ?
“Ninguém se visita como antigamente. Há que se marcar hora e essas bobagens. Os filhos aparecem vez por outra, vão mais à casa das sogras do que das mães. O segredo de manter a casa cheia é se entender (muito bem) com as noras. Reparti as antiguidades, dei a cada uma o que mais gostavam; apliquei o dinheiro e vivo bem. Hoje, minha cozinha é pouco usada; faço refeições fora e não tenho louça para lavar ou compras urgentes. Plantas? Poucas, na varanda, onde sobrevivem às minhas longas viagens. Esse é o preço da liberdade, encerrou a conversa, sem esquecer de mandar lembranças à minha família.
Saí atrasada, fedendo a bife e depressiva. Fiz umas contas e cheguei à conclusão que em vinte anos, talvez fosse eu a preferir arranjos artificiais e um fogão ornamental, em nome da praticidade e da modernidade. Esqueci o encontro e nem transmiti as lembranças; para ser franca, ela não pronunciou um nome sequer, que me possibilitasse descobrir quem era.
Ontem, por falta de tempo, almocei num restaurante semelhante e vi algumas senhorinhas, cada uma em sua mesa e em seu mundo. Continuo gostando da minha casa com meus bichos, meu fogão trabalha à exaustão e não dei sinal de um dia adotar essas modas práticas de só comer na rua e levar “bolo caseiro” pra casa. Quanto mais demorar, melhor.
Pelo menos pra mim, liberdade é cuidar da família, das minhas plantas, mimar minhas gatas; poder cozinhar de vez em quando para quem amo e, quem sabe, arriscar uma receita da Ana Maria Braga. O mais, depois se resolve.
Amando quem não quer ser amado
Quem nos dera, que na vida real, essa dificuldade fosse resolvida por um mago chinês, que nos desse algumas ervas para “envenenar” a pessoa com quem parece ser impossível conviver, e, nesse processo, a gente amansasse o coração rebelde com doses homeopáticas do amor perseverante. Seria mágico.
Mas não é tão simples. O mestre Fernando Pessoa tem a medida do amor amigo, aquele que gostaríamos, fosse correspondido pelo irmão, pelo parente arredio, pelo colega que não responde; por alguém que se vai sem notar o quanto nos é caro. A fraternidade é cara e dolorosa.
Numa parede qualquer, pertinho do Mosteiro dos Jerônimos, em Lisboa, li o “Poema do amigo aprendiz”, que mais parecia um recado ao meu coração aflito:
“Quero ser o teu amigo. Nem demais e nem de menos.
Nem tão longe e nem tão perto.
Na medida mais precisa que eu puder.
Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida,
Da maneira mais discreta que eu souber.
Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.
Sem forçar tua vontade.
Sem falar, quando for hora de calar.
E sem calar, quando for hora de falar.
Nem ausente, nem presente por demais.
Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
É bonito ser amigo, mas confesso é tão difícil aprender!
E por isso eu te suplico paciência.
Vou encher este teu rosto de lembranças,
Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias.” (Fernando Pessoa)
Sob a sombra das árvores que abrigam quem chega a Torre de Belém, entre ciganos que vendiam echarpes coloridas made in China, comprei um lencinho, com os mesmos versos não me saíam da cabeça. Tomei a coincidência como um sinal; e de vez em quando lembro que faz parte calar - e esperar é uma ciência.
Algumas pessoas – amigos ou parentes – a gente ama incondicionalmente. Pouco importa se é correspondido, ou se não retornam as ligações. Fingem estar viajando ou fazem o possível para não encontrar quem quer que possa ter-lhes carinho ou um vestígio de afeto. É a sina dessa infeliz existência negar-se ao amor, ao melhor amor- aquele que nada pede ou espera em troca. Um amigo muito rabugento me disse certa vez que é mais fácil perdoar uma bofetada que um abraço. Enfim.
Ora, que se danem, diria alguém. Que fiquem sós que eu nem cumprimento, diria outro.
Mas assim estaríamos, também, prisioneiros dessas teias que encarceram vidas quase não vividas. Não! Pouco importa o que eles ou vocês acham!
Deixem-me continuar como os versos de Pessoa, amando na melhor medida que eu puder, calando quando o melhor é nada falar e mais, guardando o que deveria ser dito, inclusive do quanto sinto falta, do quanto amo você.
Há de chegar o dia em que, finalmente, se deixarão amar. Ainda que o medo de perder e de sofrer atrapalhe os dias, eu estarei aqui.
Que falta sinto de você. Como amo você - apesar de você.
Postado por Vera Cascaes às 05:46 0 comentários
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quinta-feira, 4 de março de 2010
As Bodas
Quando completaram 29 anos de casados ela se deu conta que a vida íntima estava uma pasmaceira. Já tinham passado pelas Bodas de Prata e chegavam às Bodas de... Erva? Pensando bem, nada mais apropriado. Em se tratando do Juca, a vida se dividia entre uma “larica” constante e aquela modorra, com cara de quem não tem muito a dizer, quanto mais fazer.
-Erva... Não tinham outra coisa para inventar? Que tal... Bodas de Chuchu? Ela perguntava enquanto vestia algumas roupas que achava mais sensuais...
-Fala sério, Marly; tailleur não fica sexy nem na Beyoncè, advertiu Amanda, sua velha amiga, namoradeira convicta e sempre disposta a dar um “up”na vida alheia.
-Heim?
-Bom, na Beyoncè até o uniforme do papão fica sexy, mas deixa pra lá... Vamos até um sexy- shop?
-Você enlouqueceu de vez. O que o Juca vai dizer? E se a gente encontra alguém? E se o atendente for um... um... homem! Nem pensar!
-Mas ele devia saber que você tem vontade de experimentar coisas novas, Marly! Porque você não insinua...
-Amanda, a última vez que experimentei algo novo, você me deixou ruiva. Esquece!
O caso é que achavam que maridos em geral não se animam com os modelitos das esposas da porta do quarto pra fora. Já da porta pra dentro... “Então, mulher... Você precisa modernizar a lingerie. Ousar, entendeu?
Três meses da aposentadoria da professora Marly viraram algumas calcinhas estampadas de oncinha, lurex, renda vermelha e tule preto, que mal enchiam duas sacolas. Mas com um daqueles sutians carésimos, que prometiam unir e levantar muito mais que o astral, ela seria capaz de ficar pendurada até no trapézio do Moulin Rouge - te cuida, Nicole Kidman... Mas na clínica de depilação, ela até pensou em desistir das novidades e voltar a acompanhar Lost, 24h, Grey’s Anatomy e todos os enlatados que passam entre dez e meia noite, o horário da “sessão dilema”: “ Vai “rolar” ou não? Será que eu quero mesmo? Melhor dormir...”
Na sala de espera, muitas jovens e outras nem tanto e (Santo Deus!), um homem barbudo com cara de delegado. A atendente, mascando chiclete com um bloquinho na mão, perguntou sem reservas: “Vai fazer o quê?”
Marly queria se enterrar, sumir dali.
- “O quê”, como?
-Depilar, minha senhora. Que local a senhora vai depilar?
-Local? Porque você quer saber? Ela respondia quase sussurrando.
-A depiladora precisa saber se a cera vai dar...
-Ah, vai dar, é pequena... Quer dizer, é pouco... Olha, eu decido lá, tá? Ela estava se contorcendo, imaginando se o delegado estava ouvindo essa conversa...
Uma hora depois, a caminho do salão, tentou lembrar se o parto das gêmeas tinha doído tanto. “O Juca que me aguarde!”
Jantarzinho caprichado, camarão na segunda-feira... Essa santa quer reza, pensou o Juca, morto de cansado e de vontade de se jogar no sofá, para dormir antes que terminasse a Tela Quente. Mas sabia que “a comadre” queria namorar; mulher é assim, se não tem namoro, não vale. Só falta querer ir ao cinema e jantar no Roxy “antes”, como nos primeiros tempos. Bons tempos, arrematou.
Fato é que o Juca não só esqueceu o aniversário de casamento como não deu a menor bola para o conjuntinho de oncinha. O camarão estava ótimo, mas a escova passou batida. E a depilação... Desde quando ela usava “aquilo”? Suspeito, muito suspeito... Pensando bem, D. Marly andava estranha, cheia de conversas no celular e aquela Amanda não era boa influência.
Emburrada, a professora tentou assistir ao Jornal da Globo; com sorte, dormiria antes do Jô. Na Tela, Tiger Woods se desculpava, revelando ter feito tratamento numa clínica para viciados em sexo; que desperdício, pensou.
-Se eu pudesse, cobriria esses americanos de...
-O quê, Marly?
-Nada não, Juca. (...) Bodas de Erva ...Tinha que ser.
Ilustração feita para livro "A voz da floresta" (Alina Perlman-DCL)
Veja em birysarkis.zip.net/arch2008-03-30_2008-04-05.html
Postado por Vera Cascaes às 09:56 0 comentários
Que saudade de mim!
Tempo que se foi
Ando com uma saudade danada de mim. É aquela dor, aquele arrastar de correntes de quando a gente sabe que nada vai trazer o entre querido de volta, a morte é irreparável; o tempo perdido também.
É uma pena que a gente não tenha essa sabedoria aos dez, aos quinze anos, quando não conseguíamos prestar atenção em nada além do próprio umbigo e do menino que não retribuía um sorriso cheio de promessas.
Morro de saudade de um tempo que se foi pra não voltar; e se eu soubesse disso, teria tentado fazer as coisas mais bem feitas, ou pelo menos, teria tentado tornar minhas memórias menos dolorosas.
Sinto falta dos almoços no apartamento dos meus avôs, cuja sala de costura aos domingos acomodava uma enorme mesa, cheia de gente falante e feliz. Depois de um almoço farto, a gente comeria o bolo da Linete; com o café viriam os biscoitos da minha avó, cuja receita trazia medidas em pires, que coisa. E era tão bom... Dia de tomar Coca-cola e ver os primos, nossos vizinhos inseparáveis.
Sinto falta daquela sensação de que família não se perde, nem que você faça todas as merdas do mundo. Que as brigas entre irmãos acabarão junto com a acne e o medo da mulher do táxi.
Sinto falta da casa da outra avó, a velhota mais incrível que já conheci. Baixinha, linda feito a Greta Garbo, com cabelos azuis como a caneta Bic. Ela me albergava durante longas temporadas e me deixava ler fotonovelas, livrinhos da Brigitte Montfort, a filha de Giselle, a espiã nua que abalou Paris. O Cruzeiro, Querida, X9, Seleções e Coquetel de Palavras Cruzadas também faziam parte da minha diversão, meio incomum para minha idade, é verdade. Sinto falta do leite “embolotado” e do pão das quatro da tarde, da Camões.
Fico lembrando das visitas que fazíamos à família do Dr. Fayal, uma casa enorme na Pedreira onde havia uma máquina de bater açaí. Sinto até o aroma!
O círio, na janela do Dr. Morrisson. Da casa do Luciano e da Ivani, um passeio e tanto até Miramar, onde moramos por uma temporada, que bárbaro. Eu subia em árvores, cochilava no mirante vendo os barquinhos com os remadores que passavam pertinho, andava com os cães da vizinhança, fingindo que eram meus.
As festas eram ótimas e menores. Havia a Barraca da Santa, a Feira da Providência, o jantar de São Judas. Era uma época em que a gente comia de tudo e ninguém tinha essa neura de dieta. Aliás, as mulheres que faziam sucesso eram bem fornidas de carnes e saúde - e a gente ia aos velórios de mortes “morridas” pela idade, já bem entradas nos anos. Parece que quase ninguém morria de bala, de batida de carro, de assalto então, nem pensar. Câncer era uma coisa que não se falava, mas ainda acho que adoecíamos menos, enfim.
A gente visitava os amigos e era uma festa, café e bolo, biscoitos e Guarassuco; tinha a hora de ver fotos de parentes ausentes, de festas familiares. Era hábito “mostrar a casa” aos que ainda não a conheciam. E isso era um gesto de carinho, jamais de exibição.
Na minha rua, a gente esperava o convite para as festas da família Guapindaia, que era numerosa, graças a Deus. Havia sempre banho de piscina e arroz de galinha, que maravilha. Acho que deviam existir cinco piscinas na cidade, se tanto.
Sinto falta do Mosqueiro, quando a gente podia entrar em qualquer uma das casas da rua: todos eram amigos. O jogo corria animado na casa do Curt e com sorte, dava para chegar até a praia e assistir ao espetáculo da Maizé, da Edna, do Acatauassu, do Paes Barreto nos esquis. As pessoas modernas naquela época eram muito mais chiques.
Eu era só uma moleca tagarela, que sempre gostou de estar entre adultos, e não fazia idéia do quanto sentiria saudade de tudo que já foi e não voltará jamais.
Ai, que saudade de mim!
Postado por Vera Cascaes às 09:43 0 comentários
terça-feira, 2 de março de 2010
Os monstrinhos de cada um
O monstro de cada um
Sábio Dr. Adib Jatene, que disse que o que mata não é o colesterol, é a raiva. Preciso lembrar.
Todos nós temos monstrinhos, contidos em celas tramadas pela educação, regras e o olhar fiscalizador dos pais e da sociedade. A gente abafa o grito e a vontade de enfiar a mão na cara de uns e outros; aceitamos que nos digam aonde e como ir, o que dizer e quase o que sentir. Fazemos cara de paisagem, como se tudo estivesse bem; então tá.
Esses bichos que nos habitam são capazes de fazer qualquer anjo passar para o lado negro da força, alimentados com os sapos que empurramos goela abaixo. A obrigação de ser culta, rica, magra, loura e interessante; viagens não feitas ou mal feitas; gente chata que pede atenção constante, potes de vontade de ser amada e emocionalmente equilibrada; e o pior dos combustíveis: essa estupidez que agora virou comportamento comum. Ninguém diz obrigado, pede licença para passar trombando na gente, ou responde com gentileza perguntas banais. Quase ninguém dá passagem no trânsito (principalmente mulheres), muitos acham que é só ligar o carro e acelerar (principalmente homens) sem olhar quem vem passando. A maioria distribui patadas por qualquer bobagem e assim galopa a humanidade.
Dizem que a gente deve arejar “a jaula” de vez em quando; meu sótão é vizinho do teclado, um perigo: posso até engolir, mas vou acabar escrevendo...
Às vezes nem precisa ser uma coisa assim, muito importante. Meus monstrinhos se alvoroçam com miudezas e me obrigam a um esforço enorme para mantê-los longe de cristais e cristaleiras.
Algumas amigas também têm problemas com seus instintos, nas mais diversas situações. Até a Jô -uma criatura que só não é santa porque é evangélica - foi mais uma das vítimas da “Nazista do Bufê”.
A famigerada mocinha, além de servir, por muito favor, uma (e só uma!) colher (modesta) de camarão (só o entulho) ainda tirou sarro. A mesa estava vazia, minha amiga veio “na contra mão” e não viu as plaquinhas com o nome dos pratos... “O que é?”, perguntou toda animada. “Bacalhau, não está vendo?”, rosnou a dita, apontando a identificação com a colher. Humilhada, Jô ainda foi cordata: “Desculpe, achei que era peixe”. A resposta veio mais atravessada: “Que eu saiba, bacalhau é peixe!”.
Jô conteve os monstros, não as lágrimas. O que era festa virou aguaceiro.
Confesso que só de ouvir, alguns macaquinhos pularam. Como assim, cara pálida?
Indaguei um maitre sobre esse costume antipático. Acho que a garçonete deveria estar gentilmente à disposição de quem precisasse de seus préstimos. Peixes inteiros são difíceis de servir com rapidez, concordo. Sem titubear, ele me disse que o problema é que os convidados “são muito mal educados e catam os camarões e o bacalhau”. Como é?
Mal educados? Agora é assim, qualquer um acha que nos pode “educar” e ainda dar uma palmadinha? Que tipo de educação tem quem não respeita os convidados? Espera aí, que fiquei bege. Só em Belém a gente atura essas coisas... Enquanto tomo maracugina, imagino como se sentiria o dono da festa, que gastou horrores, sabendo que a “mocinha” contou camarões.
Fui levar o carro para trocar óleo, verificar pastilhas e amortecedores. Ligaram, dizendo que era necessário trocar as buchas da bandeja. Ok, podem trocar.
Cheguei as seis e o rapaz me disse que não fizeram o serviço completo porque ainda dava para “aguentar mais um tempo”, que as buchas estavam “no começo do problema”. Em suma: não deu tempo e eles resolveram me enrolar, pois acham que podem. Todo mundo pode tudo, é o caos!
Lembrei do Dr. Adib Jatene. Contive os ímpetos e resolvi fazer o exercício de respiração do Gaiarça. “Que ódia!”.
Dá até certo alívio, saber que não sou a única a ter que segurar a macaca diante de tanta gente que pensa que pode fazer qualquer coisa.
Mas até quando, é que eu não sei.
Postado por Vera Cascaes às 08:33 0 comentários
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