Lembro-me tão bem daquele monte de novos sentimentos que me acometeram quando me tornei mãe. Olhava aquela coisinha de bochechas rosadas e cachos castanhos, dormindo placidamente, absolutamente confiante que eu resolveria tudo.Eu, que ainda me sentia filha, mais filha do nunca, tinha ali um planeta inteiro cochilando nos meus braços e que dependia de mim. E eu estava a-pa-vo-ra-da.Agora eu não era mais uma só. Eu era duas. Tinha alguém, pra sempre.Senti-me perdida, incapaz, incompetente, imperfeita e ignorante. Poderosa.E ela dormia. Tranqüilamente. Não tomava conhecimento do meu desespero, dos meus quilos a mais e sono de menos.A Margareth Tatcher aparecia na TV, olhar compenetrado, falando sobre o destino de grande parte do mundo. E eu imaginava que mais difícil era entender o que aquela coisinha queria dizer com seu choro fora de hora. Tentava t-u-d-o.Era uma estranha, um ET que fazia um cocô grudento e que sei lá por que cargas d`água, eu limpava o bumbum rosado com a dedicação de um Michelangelo retocando sua madona. Comecei a achar interessantes, as coisas mais maçantes. Devia estar pirando.A estranha foi se tornando tão íntima que até os cheiros mais diferentes eram tão agradáveis que não me furtava de absorvê-los em quase êxtase. Logo após o banho, era o cheirinho do bebê, algumas horas e duas golfadas depois era um azedinho tão pessoal que eu reconheceria em qualquer lugar. O pezinho tinha outro cheiro... E aquela estranha foi se comunicando comigo. Eu já sabia exatamente o que ela queria, como e quando.A novata ficava ali, deitada, me olhando. Era poderosa, a pequenina. Dependia de mim para tudo e sabia que estaria ali, sempre. E dormia tranqüilamente enquanto eu levantava várias vezes para ter certeza que respirava e que o coração estava batendo certinho.A estranha foi crescendo e ficando a minha cara. E cada vez menos estranha.E em vez de duas, acabamos nos tornando uma só. Esses seres celestes têm muito poder.Vinte e cinco anos depois ainda vou ao quarto, todos os dias, em plena madrugada, só para ver se ela está bem. Acaricio os cabelos e procuro um cachinho que o anjo da guarda deixou de lembrança, da época em que aquele ET veio do céu para me tornar uma pessoa melhor.Todas as noites busco seu cheirinho no pescoço, nas costas. E repito acalentando o sono tranqüilo: “você é o meu bebê e a mamãe a ama muito”. Agradeço a alguém lá de cima que achou que eu devia aprender alguma coisa boa e me mandou uma estranha, cheia de cachinhos, com carinha de boba e um mundo inteiro nas mãos.Não existe um ‘dia mães’, todos os dias esses sentimentos tomam conta de nós, invadem nossas agendas, provando que ser mãe é ter paciência, é aprender a pensar por três e mudar de idéia de vez em quando.É saber que improvisar não é falta de planejamento. É sabedoria.É confiar, ainda que o mundo tente nos fazer incrédulos. É tentar dormir enquanto eles não chegam, e, acima de tudo, sentir o coração transbordando de um amor indescritível quando lembramos daqueles cachinhos.
quinta-feira, 10 de julho de 2008
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